quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Chuva, cores, cheiros, sons, lembranças

A chuva cai no sertão. Não faz muito e a paisagem das estradas já está verde. O cheiro da mata e o odor dos animais enchem o carro. O gado ainda é seco. Lentamente consomem o pasto.

É plena quinta-feira e as vilas marcam passo. Vi três estabelecimentos dando-se o nome de mercantil, estavam fechados. Alguns maiores e mais centrais estão abertos, mas vazios.

Na maior cidade onde me hospedo, quase não há carros, apenas na rodovia. Acostumado a não precisar prestar tanta atenção de quem vem, de quem vai, sem olhar tanto para frente, e confiando na pista larga, um carro grande atropela a moto. A trombada quase não tinha cinética. Foi apenas o suficiente para levar a moto ao chão. A motoqueira sai andando e resmungando. Os implicados entendem-se rápido.

Estranho um engarrafamento muito isolado na mão de uma avenida principal. Desta vez era uma procissão que acompanhava o carro da funerária. Carros e pessoas em fila conduzindo o corpo para deixá-lo à porta da eternidade.

A velocidade dessa outra parte do mundo me desespera. As pessoas, para resolver os problemas, repetem a mesma frase algumas vezes. Aprendi a resolver as mesmas questões com uma palavra. Não creio que estou certo. Apenas me dou conta da minha inquietude da mente.

Ainda lembro o som que me acalentava o sono da infância na cidade do interior em que fui criado. Eram caminhões cortando a massa de ar da rodovia. Um som grave prenunciava a aproximação deles, mas gradativamente iam se emudecendo rumo ao horizonte oposto. Não precisava contar carneiros, pois aqueles sons me bastavam. Os mesmos sons se repetem à beira deste quarto.

Um menino pedala sua bicicleta às duas horas da tarde. Deve estar saindo para a casa da avó. Eu, no lugar dele, doze anos de idade, na bicicleta, estaria indo para lá. Quando ia para o interior, a liberdade me recebia para encher o pneu da bicicleta e desbravar o dia. A cidade era tão grande, então. Depois que experimentei os cem quilômetros por hora, mesmo andando a quarenta, aquela cidade da minha infância se comprime entre os dois polos da estrada. Tantos anos em tão pouco espaço. Apercebo-me que os espaços possuem zonas obscuras, mais profundas, que só se iluminam para quem os habita. Quem está de passagem apenas risca o lugar, e diz que nada há de relevante por ali. Quem vive a cidade, destrava experiências como quem desdobra uma vela de navio.

Eis que o vento quente e seco bate no rosto do adulto eu e desfolha todas essas lembranças.

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