Estive discutindo com a turma de estudantes de medicina que venho acompanhando. Deram-me a oportunidade ímpar de ser o tutor deles em um método que lembra o de Sócrates, com a ironia característica de quem sabe mas não vai dizer nada, apenas conduzindo aos poucos o parto do espírito para os conhecimentos que valham a pena aprender.
Nossa discussão foi gerada pelo desespero deles. Ao contrário do círculo socrático, não é a vida que vai cobrar o conhecimento, mas, por ora, é a prova que se aproxima. Uma moça, muito inteligente no mais, me colocou contra a parede alegando que os conhecimentos práticos que pelejo passar, ela entende serem assaz importantes, mas a prova urge, e é esta que vai permitir passar adiante ou não.
É que vim tentando por em prática o que sentia falta na faculdade. Somos arremessados em um conjunto de ensinamentos teóricos, principalmente no que tange as ciências básicas, que são desencarnados da realidade médica. Quando se pensa em canais de cálcio, de potássio ou de sódio, não se faz a mínima ideia o quanto o conhecimento sobre o funcionamento deles salva vidas diariamente. Então, vez ou outra, lanço desafios que tentam fazê-los enxergar a aplicação da coisa. Só que não faço ideia se essa aplicação será cobrada na prova. Nesse início a prova é grandemente decoreba, e ficar contextualizando gasta tempo de leitura que pode cansar seus cérebros.
Então, eles entram em contato com outros grupos e vêem que estes chegam em objetivos de aprendizagem bem mais acadêmicos que nós, mais trabalhados até. Vou ficando feliz com o avanço deles em crescer coletivamente, em induzir o outro à participação, em respeitar o momento do colega, mas quando esse microcosmo de aprendizado se confronta com o macrocosmo da turma inteira, sentem-se atrás.
Certo dia, discutimos sobre propriedades farmacocinéticas de anestésicos cotidianos das emergências médicas, e eles me vieram raciocinando com perspectivas de soluções para problemas bioquímicos que ainda estão para ser elucidados. Isso é uma vitória! Acredito que bem mais do que a matéria livresca presa nos neurônios.
Todavia, a prova urge. Neste carnaval alguns devem estar se desfazendo sobre anotações de cadernos e livros digitais. Bem que ainda desejo uma forma de aprendizado diferente. Tudo bem que as vidas estarão em breve nestas mãos. Contudo, fico pensando o quanto essas singularidades deformam-nos: o conhecimento técnico urgente na cabeça, mas também a impaciência, o afobamento, a agitação, o desespero, a ansiedade, a falta de tempo de contemplar uma flor, de beijar o filho, de deitar com o amor.
Acho que a faculdade de medicina deveria ser por mais tempo. Mas, não para contemplar mais matérias. Segredo inconfessável: se a vida inteira nós tivéssemos ainda assim não daria para contemplar um décimo. Queria mais tempo para que pudéssemos ter mais tempo para a vida. Só que custa caro a formação de um médico. Dos cursos, o mais caro! No meu caso, custou-me a vida de papai. Louco que estava para me entregar o diploma, velho demais também, o coração pára antes da vontade. O corpo dele em meus braços antes da faculdade finda foi meu diploma precoce, e num momento em que, enfim, havia me encontrado médico.
Vamos lá. Prossigamos mergulhando nos livros. Perdidos em certo amontoado de letras, talvez encontremo-nos a nós mesmos.
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