segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Hipótese espírita para a homeopatia

Deus quando criou a matéria, não a concedeu forma. Colocou essa responsabilidade no princípio espiritual. O princípio espiritual, este sim, tomando posse da matéria, a estrutura. Assim se passa desde o átomo ao arcanjo.

Em cada reino, a ação do princípio espiritual assimila uma lição. No início, são lições automáticas, por submissão absoluta às leis universais. No mineral, vai promover a perfeição das formas e a possibilidade das ligações. A instabilidade delas são ensaios malogrados que, contudo, servem de aprendizado. Tudo servirá! Cada ação e reação é um progresso.

No reino vegetal, haverá as lições, das sensações do entorno, de transformar as matérias que lhe alimentam em fruto a ser devolvido ao mundo, de vencer a escuridão do subsolo em busca da luz (sabedoria vertical).

No reino animal, aprenderá a buscar o próprio sustento, cuidar da família, submeter-se aos primórdios das regras sociais, lidar com os brotos de inteligência e emoção, ir em busca da sobrevivência (sabedoria horizontal).

No reino hominal, já com livre-arbítrio, nossas escolhas sedimentarão os aprendizados anteriores, nos apropriaremos deles e e os sublimaremos rumo à metafísica: as ideias criarão formas que pavimentarão o caminho para a verdade superior, enquanto agimos diuturnamente para cuidarmos uns dos outros.

Na homeopatia, temos medicamentos gerados a partir dos três reinos. Hahnemann desenvolveu uma técnica para extrair, não o princípio espiritual, que só pode ser libertado da matéria a partir das leis da morte e da transformação, mas das informações deixadas como vestígios de arte rupestre em cada elemento material que ajudou a organizar ou dar vida. Essas informações são fixadas em água, álcool ou sacarose e, quando entram em contato com o corpo humano, interagem feito um diálogo em nível sutil com a nossa organização atual.

A doença é uma informação deslocada no tempo e no espaço. Um homem não pode agir para o seu nobre fim cósmico acuado feito um rato, colérico feito um leão, pronto para dar um bote feito uma cobra. Da mesma forma, não pode ficar reagindo explosivamente feito uma forma reativa de antimônio, envenenando quem lhe está ao lado. Ou ainda, assustado como uma sensitiva, com medo de que cada toque do mundo possa lhe ser mortal. Ao darmos o discurso certo para ele, cuidadosamente fixado em um meio material que possa entrar em contato com seu sistema absortivo, teremos a ignição para os movimentos de cura. Já que esse discurso revela o semelhante, será como se expuséssemos a verdade a todas as suas células. As reações de vitalidade são o seu corpo reagindo à verdade que lhe dói. A crise é um momento crítico de transformação. 

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

O que de fato é a homeopatia?

Depois de ter postado alguns temas de homeopatia no Instagram, acabei acertando o senso crítico de um amigo médico. Então, ele veio me abordar.


TRANSCREVO:

Amigo: Allan, bom dia. Cara, quero um favor seu. Sempre vi a homeopatia como uma coisa que não é séria. Mas de repente me deparo com um homem sério falando sobre homeopatia. Me indica uma leitura que possa me informar melhor sobre o assunto, tais como indicação, tratamento, medicações, estudos e eficácia. Sendo bem sincero, sempre vi o praticante da homeopatia como um charlatão ou, quando menos, um iludido. Mas sei que você não é isso e gostaria de entender mais sobre o assunto. No Google tem muita coisa sobre, geralmente bem tendencioso para um lado ou para o outro. Mas todos pecam em não confrontar suas convicções com artigos e bibliografias. Não entenda mal minha ignorância. Obrigado!

Eu: Amigo, feliz por ler suas palavras. Vou lhe passar uma aula de uma pessoa ainda mais séria do que eu, a psiquiatra Lia Sanders. Veja o que pode extrair desses slides. Depois tento ver um livro mais didático para um leigo.

(Então, mando para ele os slides de uma amiga que fez uma excelente revisão de literatura, dos ensaios clínicos aos estudos bioquímicos, mostrando o quando a homeopatia é algo sério. Ela apresentou isso junto à disciplina optativa de homeopatia na Universidade Federal do Ceará) 

Amigo: Obrigado 😊 (...)

Oi, Allan. Li e gostei bastante. Pelo que entendi, a homeopatia é como 90% da medicina: funciona, mas a gente não sabe como. O conhecimento de seus mecanismos é bem complexo e foge do escopo de uma faculdade de medicina, até porque são elementos muito novos e que estão longe de ser bem compreendidos. Na verdade, é a coisa mais complexa de química (e física - quase metafísica) que já li. Extremamente interessante. Entendi que funciona, mas ainda não sei em quais doenças é sabidamente eficaz o tratamento. É meio na tentativa e erro? Se sabe o caminho, mas não sabe o destino (como quase tudo em medicina). Refletindo aqui, impressionante como mudei radicalmente meu ponto de vista com apenas uma leitura. Claro, não penso que seja a panacéia. Como toda especialidade médica, tem suas indicações e limitações. Mas já não associo com charlatanismo e acredito que pode realmente funcionar. Embora, em parte pelo meu espírito questionador ou apenas por eu ser chato, ainda tenha uma série de ressalvas. Mas com certeza estou com outro olhar.

Eu: É uma tentativa e erro com método, como quase tudo na medicina. E o principal é saber ouvir o paciente. Qualquer coisa que ele disser, do mais comum ao mais estranho, pode nos nortear na escolha da medicação. Principalmente o mais estranho. Aí temos que nos esforçar para ler a matéria médica das mil medicações homeopáticas. Para prova de título precisa saber 124. Tem outras técnicas e escolas para se achar a melhor medicação. Tem também que saber entender a movimentação da energia vital da pessoa, que são as lições de prognósticos que foram muito bem descritas por James Tyler Kent. E assim vai.

Tem ainda a questão de haver muitas medicações ainda por descobrir através do método de Hahnemann de experimentar no homem são. Suas ressalvas são muito bem-vindas e necessárias!

Amigo: E o q é energia vital?

***

(Daí mando um áudio para ele explicando o duelo, que existiu no início da modernidade, dos mecanicistas versus os vitalistas. Os mecanicistas que defendiam que não havia um transcendente no homem de onde brotava a vida, e assim via o homem passível de ser entendido a partir da divisão em partes, da matematização da matéria extensa. Os vitalistas entendiam a vida como tendo uma força própria, que permeava tudo, indivisível. Nela somos e estamos. Uma ideia levantada pelos românticos alemães, mas que já existia na grécia de Hipócrates com as noções de Paidéia e Physys)

***

Amigo: Questiono: 1) qual a diferença entre energia vital e metabolismo? 2) qual a diferença entre energia vital e alma/espírito? Parece q o Homeopata é mais um médico da alma q um médico do corpo.

Eu1) Nossa ideia de metabolismo é a partir de um conjunto de reações bioquímicas de construção, destruição e regeneração que se dá no nosso corpo. Conseguimos enxergar isso através da dança das moléculas, representadas por equações do que ocorre nos nosso tubos de ensaio. Para fins de prática homeopática, a energia vital se manifesta pela sensação de bem estar geral. Os sintomas patológicos denunciam o mal fluxo dessa energia. Não vamos atrás do choque das moléculas. Tudo é uma questão de sintomas. Verdadeira sensação de bem estar geral é sinal de uma energia vital fluindo em harmonia. Também é uma percepção indireta da coisa, por tabela. Mas a partir de parâmetros diferentes, parâmetros eminentemente clínicos. 


2) Para fins de prática clínica homeopática, alma e corpo não tem diferença. Tratar uma rinite repercute no temperamento. Tratar um temperamento repercute na ciática. Não vou entrar no mérito da distinção pela minha concepção filosófica de mundo, ok? Estou tentando passar para você o que temos em mente quando estamos clinicando. Nunca separar mente e corpo. Tudo faz parte da manifestação da vida. Se a pessoa está em sofrimento e chega para você, tudo o que sai da boca dela vem da alma e do corpo. Tem homeopata que se treina mesmo para enxergar os gestos e os semblantes. E isso faz parte da totalidade sintomática. A divisão, a separação, quando sentida pela pessoa, é a própria doença. Ter uma alma que se ressente do corpo, ou um corpo que se ressente da alma, tudo isso é doença. Estar bem é viver sem nem se tocar disso. Claro, ser filósofo, na linha platônica, é saber que há algo além que reflete sobre esse aqui. Quando esse pensar filosófico te deixa bem, e não te desajusta na vida, e não te faz pousar em qualquer profissional em busca de ajuda, isso só é o impulso da tua energia vital no amadurecimento do teu ser. Agora, quando isso está te desequilibrando a tal ponto de te cindir em dois, sua energia vital pode estar precisando de um estímulo para se reajustar. Mesmo os vôos filosóficos nunca são, ou não devem ser, uma ruptura com a realidade, mas uma apropriação da unidade do real em níveis cada vez mais profundos. Nossa visão estaria mais para Aristóteles do que para Platão.

Outro filósofo que fala sobre isso: Henri Bergson, que para isso usa o nome de Elã vital.

Amigo: Pelo q entendi, energia vital é uma concepção filosófica do próprio ser humano e demais seres vivos (não sei se todos). É isso? Ou é uma "energia" ou "coisa" que pode ser medida ou comprovada por meios experimentais/laboratoriais/materiais?

Eu: Todo uma filosofia se constrói em cima disso. Mas a medicina deveria ser assim, sempre se construir sobre uma visão filosófica da vida. Em certo momento, Platão falou que a filosofia era uma aproximação hipocrática da alma. Hipócrates agia sobre os homens com a clínica como Sócrates o fazia através do diálogo. Há quem ainda esteja em busca de provar a energia vital em laboratório. Aí depende da sua paixão. Você é uma pessoa mais tátil, mais terra, vai querer prender o saci na garrafa. Você é uma pessoa mais da intuição, mais água, vai se contentar em apenas sentir que é assim. Fazer poesias sobre a energia vital valerá então mais do que a enquadrar numa planilha, e fazê-la escalar algum gráfico. É a disputa que havia entre os modernos: o cartesianismo e o romantismo alemão. Essa disputa não morreu, assim como a dos materialistas/mecanicistas versus vitalistas. São guerras culturais.

Amigo: Entendo. Poderia se fazer uma analogia, em que a medicina clínica é o homem que corre atrás do que ele é sem nunca alcançar, e a homeopatia é esse mesmo homem que decidiu sentar e refletir sobre a vida. Entenda medicina clínica como medicina clássica. Filosofia muito interessante que concordo contigo em dizer que deveria se estender para toda a medicina. Mas não apenas nela, mas em tudo. Precisamos filosofar, parar e pensar. Mas ainda vejo com ressalvas as medicações, que sei que é apenas uma pequena fração do todo que é a homeopatia. Mas essas ressalvas são muito mais pela minha ignorância que por conhecimento disso. Agradeço muito a atenção dispensada. Espero não ter lhe incomodado. 

Eu: Que nada! Adorei a falar isso com você. Suas perguntas me fazem tecer respostas que me ajudam a compreender ainda mais.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Seu Viriato fala com um Preto Velho

 Sou eu, Viriato. Falo aqui como quem escreve em um diário. Talvez este espaço o valha. 

Acordei cansado, mas ansioso. Esses tempos de pandemia desestruturaram minha família. Andei brigando mais com minhas filhas, falei alto com a esposa. Não sou de falar alto com ninguém. Senti-me manchado por ter feito isso. 

As dores do ombro pioraram. Quando começo a me movimentar, o sol melhora o corpo, aquece o ombro, aí dói menos. Os pensamentos estão confusos. Sentei para trabalhar e o dedo se arrastava pelo teclado. 

Vou ter uma consulta logo mais com o ortopedista. Espero que ele me passe algo que melhore essa dor. 

[A consulta com o ortopedista acontece. Foi uma consulta virtual]

Como foi rápido! Eu não tinha muito o que falar mesmo. É apenas um ombro, e ainda mais que é o ombro esquerdo. Vale menos ainda muito papo. 

Já pedi a medicação pelo aplicativo. Nossa! O entregador já chegou. 

- Obrigado!
- Se o senhor poder me avaliar positivamente, agradeço.
- Tudo bem!

O que custa dar um trocado para esse jovem. Ainda me lembro quando eu era da idade dele. Esse ombro não doía assim. Como é mesmo para tomar essa medicação. Ah! Ele disse que tinha de ser com estômago forrado, pois pode fazer úlcera. Deus me livre! Curo o ombro e abro um buraco na barriga! Não mesmo. Seguirei a prescrição. Se é que cura algo. Ele disse que se não funcionar ainda podemos nos valer das injeções. Tudo bem. Não espero mesmo que uma dor que já é minha companheira há tanto tempo saia assim de repente. 

Escrever me ajuda a organizar isso tudo tão confuso. 

Sobre minha ansiedade. Eu falei que havia acordado cansado, mas ansioso. É que no final da tarde vou conhecer um senhor que dizem deixar passar mensagens do além. Particularmente de um preto velho chamado Pai João. Eu nem sabia, mas meu avô participava de rituais assim. Desses de falar com espíritos. A miscigenação das gerações foi clareando nossas peles. Mas vovô era um negro sem qualquer diluição. Eu tinha uma conexão muito forte com ele. E agora, nesse momento medonho, me aparece essa oportunidade de falar com o velho preto do meu avô. Como será isso? O que será que ele tem a me dizer?

[A tarde vem e quase passa. Seu Viriato já está na mesa com o Preto Velho]

- Óia, cê pode ficá bem à vontade aqui, dotô. Tô aqui pá lhe ouvi. Ouvi suas dor, seus pesá, suas encrenca. In nomi de Xangô, salve nosso sinhô Jesus, salve nobreza santa, pode me falar.

(Estranho. Eu sou um homem estudado e venho ter com um tal João que não sabe nem o português direito)

- Pai João, a vida não tá fácil.
- Num tá pá ninguém, fio!
- Minha cabeça tá fora do lugar. Não consigo trabalhar. Tô estressado com a esposa, com as crianças.
- E o casamento tá disgastado, fí?
- Tá por um fio, Pai.
- Difíci cumpri a promessa do altá, das aliança, né mermo?
- Não era pra ser. A vida tava boa, mas o cotidiano e a mesma convivência tá destruindo a gente. 
- Eu te intendo. Amá quando tá tudo bem é fáci. Amá no mêi da tempestadi é difíci. Mas, amá foi aquilo que o nosso sinhô pediu pra fazer, e como o póbi apanhô por defender isso. Dizê que nós tudo é capaz de milagres de amô. Nesses tempo de crise, menino, o amô é moeda rara, tá caro. E basta só uma pacienciazinha pra garimpá ele bem aí no peito. 

(Por que diabos estou chorando? Essa simplicidade dele me toca. Ele fala simples, como quem já viveu muito. Parece meu avô. Se fosse outra pessoa, teria me enfurecido. Me coloca numa posição de menino. Mas, enxergando meu avô detrás dessa entidade, me sinto de novo aquele moleque. Nem consigo falar mais nada. Essa mensagem do amor difícil está em todo o evangelho, mas tem um brilho especial partindo daqui)

- Num se aveche. Se acalme. Eu já vi tanta coisa acontecê nesse mundo. E passô. Renovô. Cê deve tá precisando disso: renová. Tirá coisa velha do peito, da cabeça. Colocá ar novo. Vô lhe passá uns trabáio, que ocê vê com os homi da organização do templo como faz. Anote aí...

O Pai João então me manda para um lugar onde as pessoas dançavam e espalhavam bençãos sobre mim. Depois um fogo passava pelos vários pacientes - vou chamar de pacientes - como que a nos purificar. Dizeres estranhos como que evocações de forças cósmicas animavam os coordenadores dos rituais. Não me cobraram nada, não me obrigaram a nada, deixaram-me livre. Não exigiram minha crença nem minha pertença. Apenas ofereceram o que tinham para dar. 

Talvez seja isso. Estou me cobrando demais, e cobrando os outros. Tenho que me desapegar mais do mundo como eu quero que ele seja, e permitir que o mundo seja o somatório do que podemos ser, respeitosamente. E se eu sentar para ouvir minhas filhas como esse preto velho sentou para me ouvir, sem doutorado, mas com cuidado? Se eu tiver meu coração desperto e meu ouvido aberto para receber a fala da minha esposa como se fosse um ofício sagrado. O preto velho para me ouvir evocou forças divinas. É uma escuta sagrada. Talvez, quem sabe, buscando intimidade com esse sagrado no meu ouvido, toda essa confusão se relativize, e alguma ordem encarne de novo entre nós.

Valei-me! Onde está a dor no ombro? Passou.