Coincidiu de eu estar nos dois polos da formação médica falando sobre o mesmo assunto: infância. Aqueles que estavam atendendo crianças pela primeira vez e aqueles que, depois de ter visto tudo de ruim do ser humano, estavam voltando a atender mães, em postos de saúde, que se dedicavam a ir periodicamente ao médico para que ele acompanhasse o desenvolvimento de seus pequenos. O que eu teria para falar para estes últimos?
Decidi falar sobre as preocupações que as mães têm, principalmente as de primeira viagem.
Os tempos são outros. As famílias se esfacelaram. Mesmo nas classes mais baixas não costumamos ver aquela mãe com uma dúzia de filhos. Esta, a vida tratava de ensiná-la qual dos meninos vingaria ou não. Todavia, os meninos que não "se criavam", infelizmente, não eram exceção. Toda mãe de muitos filhos que já atendi nesta cidade carregava em si alguns lutos que nem se lembrava ao certo se eram dois ou três ou cinco. Talvez esse esquecimento fosse por causa da idade, talvez por causa da sobrecarga.
O fato é que hoje as família estão menores, esfaceladas como eu dizia, despregadas do tronco que as havia originado, da cidadezinha rural ou do bairro em que vira todos os seus crescerem junto consigo. A urbanização e a revolução industrial polarizou desconhecidos para o oco de mocambos, e as mães para disputar emprego junto aos pais. Não estamos mais na formação de comunidade tradicional, em que as funções eram divididas entre membros da grande família, os homens cuidando do sustento e as mulheres de todos os filhos. Lá, a família era tão próxima que os primos eram chamados de irmãos.
É por isso que pegamos tão frequentemente, e mesmo nas classes menos favorecidas, mães despreparadas e cheias de angústia sobre tudo. "Meu peito não dá leite, está cheio de fissuras, ele chora demais todo dia, seu bumbum está assado, não fez cocô o dia inteiro, não pega o sono direto à noite, apareceu duas pintinhas vermelhas na coxa e na perna quando acordou, etc." E, durante a consulta o bebê está bem, dorme em seu braço, ganha peso normal. Falta ali a experiência de todas as outras mães que já passaram por aquilo e que poderiam estar dando suporte. Às vezes as opinadeiras têm em excesso, aquelas que vão uma vez perdida, jogam uma dica e saem para não mais voltar. Aquelas que seriam as avós e as irmãs de outros tempos estão em falta. É aí que nós entramos, médicos e enfermeiras de puericultura. Somos a mão armada da civilização urbana que colocou suas mães para se apaziguarem com nosso discurso.
Foi pensando em todo esse contexto que idealizei uma aula que buscava mais ensinar aos alunos como despreocupar as mães sobre o bom crescimento dos filhos do que uma que prestigiasse patologias. Sempre busco passar as informações de quando dá para esperar, quando devemos intervir menos e deixar a natureza acontecer (vis medicatrix naturae). Adestramos nosso coração para ficar atento com os diagnósticos mais escabrosos do corpo humano - portanto, interviri! - e perdemos a noção de que a maior parte da vida é seguir vivendo.
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