quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Conversa médica

Fui convidado pela coordenadora do módulo em que estou lotado para falar sobre um dos temas mais caros para mim atualmente: a racionalidade médica.

O assunto foi contextualizado pela atividade que empreendemos junto a uma instituição de longa permanência. Nossa primeira abordagem é conhecer o idoso através da sua história de vida.

A grande questão é que os médicos nunca foram ensinados a ouvir uma história de vida, mas sempre tentar encontrar a verdade nas memórias de doença que acometem alguém por mais ou menos tempo. Minha missão, então, era revelar essa forma de ver que molda o nosso olhar ao redor da doença e não em torno do sujeito. Nos faz pensar em padrões universais e não em singularidades. Não é a toa que há essa crise do cuidado com os pacientes que estamos enfrentando. As doenças crônicas se alastram com a conquista da longevidade, e a doença vai perdendo o padrão do livro e ganhando a particularidade de cada indivíduo. À medida que uma doença se aprofunda, é feito uma máscara que vai se amoldando a face de cada um, constantemente modificando essa face, se escondendo nela. A doença passa a ser uma forma de existir.

- Como poderíamos identificar os pontos em que poderíamos ajudar se apenas estivéssemos em busca da pureza livresca de uma síndrome?

É aqui que entendo ser importante a abertura do espírito para sabermos ouvir uma história de vida. E a habilidade que sinto mais ser necessária é conversar.

"Conversar é falar sem tentar nem convencer o outro nem o vencer: o objetivo é a compreensão, e não o acordo. Distingue-se com issa da discussão (que supõe um desacordo e o desejo de superá-lo) e do diálogo (que tende a uma verdade comum). A conversa não tende a nada, ou só tende a ela mesma. Sua gratuidade faz parte do seu encanto. É um dos prazeres da existência, especialmente entre amigos: as próprias diferenças os alegram; por que procurariam suprimi-las?" (Sponville in Dicionário Filosófico)

Muito embora, ao final, queiramos ter um quadro da pessoa com quem conversamos na cabeça, importa que tentemos não selecionar o que ela nos disser, pois tudo de sua boca importa. Não é a verdade que quero enxergar, mas ela, a pessoa. Essa atitude da comunicação, fundada na gratuidade, é o que torna nossa profissão menos rancorosa, menos tensa, menos desgastante.

Não é para abominar a atitude do interrogatório ou do diálogo, todas servas da verdade. Precisamos delas para fechar diagnóstico e propor condutas passíveis de ser submetidas às pesquisas, e assim melhorar-nos no geral. A conversa não busca melhora exterior às relações. O amadurecimento dela, que se faz quase sem querer, tende a gostosura dela mesma. É só lembrar das conversas entre amigos. E o silêncio confortável que se tem no meio delas.

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