quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Hahnemann: um cartesiano do século XVIII

Caímos na idade pós-moderna na mania de pisar o pensamento cartesiano. E todo aquele que pretende fazer com que sua doutrina seja reconhecida pelo mundo, busca ter sua bota sujando o túmulo de Descartes.

A primeira injustiça que se comete é a do anacronismo. Acredito que se busca tanto destruir aquele discurso, o do método, por causa da força dele que o fez admiravelmente sobreviver até os dias atuais, separando o joio do trigo, e permitindo teorias aflorarem mais puras e, pretensiosamente, sem marcas de religião. 

Eis a grandeza de Descartes, em uma época que os cientistas eram calados por um Igreja ditadora, ele, sutilmente, tece a linha que divide os dois campos de batalha: dos conhecimentos que tratam sobre a salvação celeste do homem e dos conhecimentos que versam sobre a salvação terrestre. Neste último cresceu o que hoje denominamos ciência. E mesmo sem saber, quando as pessoas querem dar autoridade para seus movimentos e, para isso, dizem "não somos religião, mas ciência", estão sendo filhas de Descartes, cindindo a realidade, renegando a autoridade de uma igreja que poderia sufocar os vôos do espírito de criação. 

Todavia, até mesmo o filósofo do método se valeu do discurso religioso. O que ele abominava era o império místico que se fazia sobre o conhecimento do mundo e a visão de que apenas iniciados sacerdotais poderiam ter acesso aquilo. De tal forma que este excerto da obra de Hahnemann é completamente cartesiano:

"Só assim Deus, o sustentáculo da humanidade pode revelar sua sabedoria e bondade na cura das doenças às quais ela está sujeita, mostrando ao artista da cura [o médico homeopata] o que ele teria que remover, para, assim, restabelecer a saúde. Mas o que deveríamos pensar de Sua sabedoria e bondade, se ele tivesse envolvido e encerrado no âmago, em mística obscuridade aquilo que deve ser curado nas doenças (como pretendia a escola medicamentosa dominante, afetando possuir visão divinatória da essência intima das coisas) e, assim, tivesse tornado impossível ao Homem o claro conhecimento do mal, e, conseqüentemente a sua cura?" (parágrafo 17)

Era essa mística divinatória que Descartes abominava, tendo erigido um pedestal para o raciocínio crítico que, defende, aos homens foi concedido:

"[...] pois, tendo Deus concedido a cada um de nós alguma luz para diferenciar o verdadeiro do falso, não julgaria dever satisfazer-me um único instante com as opiniões dos outros, se não tencionasse utilizar o meu próprio juízo em analisá-las, quando fosse tempo."

Contra a opinião dos outros, e suas conclusões baseadas em métodos obscuros, é que o filósofo se levanta para fornecer o caminho que possa bem conduzir a razão para as conclusões certas, o que acredita lograr conseguir com os princípios geométricos. Ora, o Organon de Hahnemann não pretende outra coisa: desfazer-se da doutrina opiniática dos mestres alopáticos a fim de concluir, segundo a mais pura lógica, o que deve ser a arte da cura. 

Outra semelhança dos pensamentos, como se Hahnemann tivesse realmente sido leitor de Descartes, é como ele se utiliza do dogma da perfeição e da bondade de Deus para com seus filhos a fim de embasar a possibilidade de conhecermos o caminho da cura das doenças:

"[...] o que lhe era necessário e completamente suficiente [saber] para o objetivo da cura, o Senhor da vida colocou diante de seus sentidos." (parágrafo 12)

Da mesma forma, Descartes entende que apenas podemos distinguir o verdadeiro do falso fora da nossa consciência de sujeito pensante porque Deus existe, é perfeito e, não cabe a perfeição querer ludibriar quem quer que seja, ainda mais filhos seus:

"Pois, em princípio, aquilo mesmo que há pouco tomei como regra, ou seja, que as coisas que concebemos bastante evidente e distintamente são todas verdadeiras, não é correto a não ser porque Deus é ou existe, e é um ser perfeito, e porque tudo o que existe em nós se origina Dele. De onde se conclui que as nossas idéias ou noções, por serem coisas reais e oriundas de Deus em tudo em que são evidentes e distintas, só podem por isso ser verdadeiras."

Os meus professores de homeopatia querem mostrar a validade desta nova medicina através da ordem do pensamento complexo, que não separa, que não distingue os elementos da natureza, o que acho perfeitamente válido. O que não acho é que devamos cuspir em Descartes para isso. Complexo é dialogar





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