Fomos chamados porque ela estava agitada, de uma forma violenta, há dias. Chegando lá, eram tapas no travesseiro, esgares de raivas intercalados por choro. Ela tinha 70 anos e clamava pela mãe. Outra hora, ficava repetindo contagens numéricas. Gritou ao se verificar sua pressão, sua saturação. Estava tudo normal. Mas, aquela raiva.
Há anos estava acamada, porém vigil. Seus sonos mostravam-se perturbados, e essa raiva ia e vinha. Alguns remédios já haviam sido dados e associados. Uma internação havia sido tentada. Nada surtiu efeito duradouro. E tirá-la de casa naquela época só piorou.
A enfermeira terminara de verificar os sinais. Olhara para o médico preocupada:
- Ela está em surto!
- Mas interná-la pode deixá-la ainda pior. Sairá de entre os seus, do lugar dela. - ele contemporiza
O médico então, depois de ter terminado de saber o suficiente do que se passava junto a irmã que mais tinha propriedade de todos os cuidados, se aproxima da paciente e ensaia um diálogo, com voz mansa e compassada:
- Boa tarde!
Um silêncio como resposta.
- Eu sou o médico.
- Isso, doutor, diga que é o médico que está aqui. - estimula a irmã.
Empolgado, imaginando que sua autoridade anunciada poderia trazer alguma sanidade para aquela mente, prossegue:
- Olá! Eu sou o médico, sou o doutor.
Ainda o silêncio, agora com o semblante fechado, a paciente respira um tanto e com quase a mesma voz calma e baixa do doutor, assevera:
- G-r-a-n-d-e m-e-r-d-a!
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