Meio difícil capturar a atenção daqueles que estão nos dois últimos anos da faculdade de medicina a fim de fazê-los ouvir - mais uma vez! - o que seria saúde comunitária, sua história, seus princípios atuais, suas lutas, obstáculos, perspectivas, tendências.
Parei um pouco para pensar. Havia preparado um roteiro coerente e... sacal. Olhando aqueles rostos com cara de bocejo, decido falar sobre minha caminhada. O que aconteceu após o término da faculdade, como as velas de meu barquinho viraram rumo a medicina de família e comunidade. Então, no meio das minhas experiências, vou soltando os conceitos mais caros dessa área nobre que, ainda hoje, é para pobres.
Brinquei sobre a saúde do homem, dizendo que está longe de ser apenas uma "dedada". Mas, o cuidado de tudo na vida como um todo. Os homens são tão descuidados (consigo)! E extrapolei o conceito de homens para o de humanidade. Os homens são tão descuidados (com o nosso planeta)! Falei o quanto a reforma sanitária ainda está no papel. Discorri sobre uma história da medicina que culminou na importância de um diagnóstico preciso sobre um agente etiológico específico relacionado com uma terapêutica combativa pontual, mas fui tentando mostrar que estamos vivendo uma quebra de tantos conceitos, com a pulverização de tantas certezas, que é admirável algum médico hoje ter consciência tranqüila ao prescrever qualquer medicação. A saúde se encheu do conceitos de probabilidades, riscos, vulnerabilidade, desencantou-se das certezas de ontem. O hospital nos dá uma tranqüilidade do controle de variáveis, mas a comunidade responde com travessuras. O pior de ter que cuidar de pessoas que não estão doentes o suficiente a ponto de se entregar ao seu controle é elas não se submeterem ao nosso controle.
Por fim, falei que estávamos, nós da saúde comunitária, percebendo que os casos complexos - há um amigo que me diz que não existe o caso não complexo, mas o negligenciado, anotemos isso e passemos adiante - podem não ser apenas uma doença rara que está escapando de nosso olhar clínico não experiente, mas uma falha do nosso modelo de raciocínio, da nossa racionalidade médica. Isso quer dizer que outras medicinas, haja vista, homeopatia, medicina antroposófica, medicina tradicional chinesa, podem conseguir visualizar a doença e, portanto, as linhas de fuga melhor do que esta que adestra nosso olhar em seis anos de faculdade.
Acho que entenderam algo. Mas, o que mais os frusta não são aulas sacais de saúde comunitária, nem professores chatos, didáticas pífias, mas não conseguirem enxergar toda essa teoria grandiosa no bojo do cotidiano. Quando chegam lá, deparam-se com entraves organizacionais e políticos, relações médico-paciente truncadas e desgastadas. O que é preciso para acender a vontade de cuidar das massas ao ponto de enfrentar sacrifícios diuturnos?
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