Ela lida com pacientes acamados há anos na rede privada. Falava, então, sobre suas primeiras experiências nestas visitas, recém-saída de míseros dois anos de trabalho na assistências pública.
A tensão era à flor da pele. Foram-lhe entregues prontuários para o estudo insuficiente das história no dia anterior. Algumas demandas eram-lhe cobradas mesmo sem ter visto os pacientes, como interpretar exames e dar uma resposta em tempo hábil.
Oito anos de medicina deveria lhe dar alguma coragem, por que tanto medo? Não era das pessoas que sabiam fingir. A vontade de permanecer calada quando a ignorância se lhe avizinhava era uma constante. Mas, os pacientes lhe clamavam soluções.
Eram idosos cujas doenças já haviam lhes maltratado demais.
- Saímos da faculdade com a ciência de que cada doença tem uma conduta salvadora. É o gabarito que nos dão a todo final de semestre e que não encontramos tão fácil por aí. As evidências que uma pesquisa ou outra pretende dar, como valem pouco perto do sujeito singular!
Ela viu o advento das principais tecnologias que, implantadas ou acopladas aos pacientes, permitiam mais alguns anos de vida. O que não impediu o preenchimento de tantos atestados de óbito, cujo fluxo apenas aumentou com o tempo. Porque era incompetente? Não. Porque aumentaram o número de clientes. Nenhuma daquelas novidades venceu a principal inimiga das gentes.
Hoje, essa senhora, cabelos grisalhos, símbolo religioso pendente do pescoço, fala do fundo de uma depressão. Pergunta-me, dobrando um origami em uma folha de receituário, se o meu gosto pela psiquiatria não daria alguma luz sobre as associações de remédios a que se aferra. Dou alguns palpites, conversa de bar, digo, de mesa de prescrição.
Foi daí que tirei este pensamento: "Buda encontrou, pela primeira vez na vida, um raquítico, um velho e um doente e criou toda uma filosofia para enfrentar a dor dessas miragens. Nós médicos vemos esses espectros todos os dias e levamos (fingimos? necessitamos levar?) a vida como se isso não nos espantasse (não mais?)."
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