sábado, 24 de janeiro de 2015

Crescendo

Fui convidado a participar de um curso sobre o método pedagógico que rege a instituição em que vou lecionar. Aquele cheiro de estudante de medicina guardado no fundo da última gaveta do armário da dispensa exala e entope minhas narinas de lembranças. Recordo tudo o que venho sendo. 

Fui tão inconformado com aulas. Sentia-me a todo instante fora de onde eu deveria estar, de onde eu era. O sono, a mudez. Observava tudo ao redor, menos a aula. Quando ia para a comunidade, me tomava olhando os jovens brincar de bola. Quando estava em ambulatório, me esquecia do mundo sentindo as gotas da torneira resfriar a superfície da unha. O professor sabia onde eu estava? Quase não sabia quem eu era! 

Dia desses apresentei minha qualificação de mestrado para um dos professores que eu mais admirava. Nela me expus sobre o gosto ruim de ter sido graduando de medicina. Ele se agradou muito com os relatos autobiográficos. E, revelou que ultimamente estava com essa angústia de ter pessoas passando por ele todo semestre sem realizar encontros autênticos. Eu havia sido seu aluno, e ele mal sabia de um décimo daquilo que havia se passado dentro de mim. 

O pior era que nem sempre fui assim. Nem sempre? Nunca havia sido! Em busca de responder, li sobre as muitas formas de se educar adultos (Paulo Freire, Freinet), e crianças (Pestalozzi, Korczak). Grandes leituras! Péssimos estímulos. Não me ajudavam a ser melhor aluno. À faculdade, sobrevivi. 

Eis que conheci marxistas, anarquistas e democratas que me deram razão. Falei das minhas experiências para alunos que me entendiam. Conheci maus alunos, ótimas pessoas, outras escolas. Participei de um projeto de palhaços, fiz curso de teatro, misturei-me com pessoas da dança e da música. Venho tendo contato com uma arte-educadora. Deus! Meu lugar não era lá, mesmo. 

Não me tornei um membro efetivo desse caminho alternativo que encontrei - um membro afetivo, talvez. Todavia, ficaram essas pessoas em mim feito bálsamo misturado ao sangue venoso de onde eu escorria. 

Ontem estive em uma aula à faculdade de medicina. Agora como professor e como especialista em saúde comunitária. Quiseram me falar que o aluno tinha de aprender a formar mapas conceituais com os conhecimentos exatos. Eu questionei onde eles aprenderiam a falar para as gentes, todos nós, os inexatos? Soltei piadas inocentes, fiz rir que fiz corar uma professora à minha época tida como exigente. Levantei a dúvida sobre os tímidos e os que, aparentemente, não se davam bem nesses sistemas de ensino. Em mim, uma certeza: não há ciência que não seja social nem autoconhecimento, tão pouco que não seja cuidado para com o ser humano. Tento passar isso adiante.

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