Estive ao centro de saúde onde vou tentar guiar estudantes em suas aprendizagens práticas e, junto com meus colegas professores, fui explicar minhas ideias, exultante, olhos aquecidos, gestos bailantes.
Lembrei, então, do meu renascimento. Onde comecei a remedicinar-me. Desisti de prestar concurso para entrar em qualquer residência médica. Também não podia ir para o interior por motivos familiares. Havia um centro de saúde relativamente perto lá de casa onde fui buscar emprego.
- Pagam pouco aqui. - desmotivou-me uma enfermeira.
- Mais que minha mesada deve ser. - pensei.
E foi mais que a mesada, de fato. Foi mais que qualquer dinheiro, também. Foram as amizades com todos os enfermeiros da estratégia de saúde da família, a cumplicidade com a que era da minha equipe, os papos não-farmacêuticos com a farmacêutica, os aprendizados sobre pré-natal, sobre técnicas de exame de prevenção do câncer de colo do útero, o manejo de atividades grupais em educação popular, e sobre administração de fármacos. O caldo de ovo gentilmente oferecido pela agente de saúde quando eu estava atendendo, as piadas do outro agente, o respeito (embora nunca tenha cobrado que me chamassem de doutor), as brincadeiras e as fofocas entre os turnos, os almoços com a turma toda, os seminários de atualização sobre nossas práticas, os desabafos, as angústias, as dúvidas. A despedida.
Quando me despedi daquele ano, na festa que me aprontaram, agradeci e chorei. Eu assumi tanto aquelas pessoas, os colegas, os amigos e as doenças dos pacientes que, ao final, estava com minha psoríase estourada, uma perna manca de tanta tensão muscular, os olhos fundos. Mas, agradeci! Por terem me tornado médico. O que, sem medo de exageros, foi o que fizeram e o que seis anos de faculdade não.
Onde eu renasci carrego comigo nos sentimentos mais calorosos. Aonde renasci estou voltando: medicina comunitária.