quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Medicina não é arte, mas ainda pode ser

Quando me disseram que medicina era ciência e arte, não fazia ideia o que era ciência nem muito menos arte para aquele que afirmou isso. Só tinha uma intuição que medicina era mais ciência do que arte, ou pior, que nada a tinha a ver com arte, e que a ciência era tudo. Agora eu sei algo mais e quero compartilhar isso com vocês. 

Já tinha visto isso em outras fontes, mas encontrei a fonte mais robusta destes meus últimos tempos que me fazem tecer estas considerações. Vou re-lendo com aqui o livro de Carole Talon-Hugon: Uma história pessoal e filosófica das artes, a antiguidade grega. 

Quando a ascendência grega hipocrática dizia ser a medicina ciência e arte, ou ainda, dizer ser [na medicina] a arte longa e a vida breve, esse arte aí não tem nada a ver com o que entendemos como arte atualmente. Para os gregos, arte era mais semelhante ao que entendemos por técnica. É o conhecimento do artesão, dos procedimentos para fazer o que se faz, para produzir o que se foi treinado para produzir. Não tem a ver com a genialidade, às vezes meio que miraculosa, encantadora, mágica, que associamos à arte do músico, do poeta, do pintor de nossos dias. É o que Carole Talon-Hugon, filósofa especialista em filosofia das artes, resgata:

"A technè [em grego, ars em latim] é, pois, uma atividade produtora: ela se dedica a fazer existir uma coisa cujo princípio está no artista-artesão e não na coisa produzida, à diferença das coisas naturais que produzem elas mesmas seus efeitos. É assim que uma planta cresce e que seu fruto provém desse crescimento, a technè, de outro modo, faz existir qualquer coisa que não estava na natureza."

Mas, quando via professores meus falando sobre a medicina ser uma arte, e quando vejo trabalhos por aí exaltando essa qualidade, me parece que esse predicado tece uma aura em torno desta profissão que a enalteceria acima das outras. Por isso não. 

Quando, se vê naquela outra citação - "a vida é breve, a arte é longa" - pelo que podemos apreender da mentalidade grega e da estrutura social daquela época, a arte que se fala aqui é a da tradição. Todo artesão que se preze, bem no estilo do chefe artesão pré-industrial, vem de uma linha de aprendizado milenar. Assim, a arte naquela frase refere-se à grande descendência sagrada dos homens imitadores da arte da Asclépio, este quase deus que mexeu com os mistérios da vida e da morte do homem. A vida de um homem é breve, pois é mortal. Todavia, arte, a tradição de mil homens, de toda uma escola de ensino, é quase eterna! 

Esse respeito pela tradição ainda se vê em algumas escolas médicas de renome internacional. Mesmo por aqui, temos, por exemplo, o orgulho das Escolas Paulistas de Medicina e das linhas de estudo-pesquisa que têm por ícone certo sexagenário que formou muitas gerações. 

Quando digo que medicina não é arte estou me referindo a não ser essa arte que entendemos ser a música de Chico Buarque ou a poesia de Drummond. Esta concepção de arte que vem à nossa mente quando pensamos nesses caras é a mesma que surgiu com a noção de gênios, criação da Idade Moderna. Ninguém imita um gênio. Ele é meio que inspirado de Deus. Sua obra é meio que um milagre. Por mais que pessoas se esforcem, não possuem o algo mais da genialidade que as faz chegar lá. 

Quando falo que a medicina ainda poder ser, pego a dica da mesma explicação de Carole Talon-Hugon: a arte do homem é diferente do fazer da planta porque o fruto da planta é feito da mesma matéria que ela, é produto natural da própria vida e de seu crescer. 

É isso que está em falta na nossa concepção de medicina. Precisamos pensar em uma medicina que seja um produto que sai de nós e que é feito de nossa mesma natureza. Pensava-se aos gregos antigos que a saúde devolvida para um doente era uma produção que não comungava da natureza do médico. Não é uma produção como um fruto que dele escapa. Essa distância radical entre o médico, o seu fazer e o produto final é o que tem tornado nossa profissão insípida. 

Como caminho possível de superação, sugiro lembrar-mos da cena do milagre vertido sobre uma mulher que há tempos sofria de hemorragia e que "tirou uma virtude" de Jesus. É a superação da arte médica grega pela arte de curar cristã. Buscar imitar essa cena seria assumir que todo esse fazer é um que "tira virtude" de nós, que nos modifica ao mesmo tempo que modifica o outro, que compartilha naturezas semelhantes, a da relação terapêutica, a da relação humana. Assumir nossa natureza de seres que só acontecem na relação. Por outro lado, como não somos um deus ou o Deus como acreditam os cristãos ser Jesus, não é em uma arte de curar que culminamos, mas em uma arte do cuidado do outro doente. 

Sair do curar para o cuidar parece diminuir toda a arte, tirá-la da zona do sagrado e da genialidade. Precisamos reconhecer que não. 

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Aula de Saúde e Espiritualidade para graduandos

Convidaram-nos para falar sobre Saúde e Espiritualidade para os graduandos. Decidi mostrar-lhes, então, basicamente o que considero o mais importante de tudo para saberem: 
  1. que há muitas formas de se conhecer a realidade que não a que mais usamos para fazê-lo;
  2. que a forma que mais usamos para fazê-lo nos é imposta por 01 (hum) modelo que hegemoniza no mundo;
  3. que quando utilizamos apenas essa forma de conhecer, mais da metade da realidade é negligenciada. 
A parte mais importante da aula aconteceu nos primeiros trinta minutos. Foi quando eu cantei e os fiz cantar uma poesia. Depois dali eles poderiam ter saído, como realmente saíram. Embora seus corpos estivessem obrigados a me ouvir, seus espíritos volitavam por outras paragens, e sempre fico feliz por quem consegue ainda escapar pelo caminho dos sonhares acordados.

Mas, depois de tudo que expus, queria muito que eles tivessem voltado à atenção para o último slide, que tentava esboçar o que poderia ser um Paradigma do Espírito:

  • Não binarizar (essas coisas de separar as pessoas radicalmente em certos e errados)
  • Assumir a contradição do real (pois a pureza matemática nunca se aproximou da impureza do real)
  • Ir em busca das conexões invisíveis (que são quase todas)
  • Dançar nas fronteiras (dos conhecimentos e entre as pessoas)
  • A poesia como luta e resistência 
  • Construir as pontes e os poemas
  • Estar aberto para a verdade do outro
  • Estar aberto para a verdade do Grande Outro 
  • Fazer Ciência, Filosofia e Religião (em qualquer questão que fores tentar conhecer)
  • Ciência com Consciência de nossa Imortalidade (podendo considerar imortalidade aqui como essa nossa condição de sermos para além da vida circunscrita à um lugar) 
  • Nunca esquecer do Amor como categoria de análise (como ente que move o mundo dos sentidos, eu diria ainda mais)
No mais, são referências:


quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Sobre receber críticas

Venho me dedicando a organizar atividades teóricas para quase concludentes de medicina nas horas finais de uma semana em que todos estão cansados de tanta atividade, de uns seis anos em que todos estão cansados de tanto enclinar-se sobre livros. 

A mente aguda e exausta (tensa?) de um aluno criticou esse esforço. Apontou a improdutividade destas horas e chegou mesmo a ter piedade das futuras gerações de internos que iriam ter de se submeter à mesma esteira de transferência de conhecimento.

Entendo que essa acidez teve um motivo da acontecer, vários até. Difícil ouvir falas nesse tom e não se abalar. Ontem, era eu que estava nesse papel. Uma fala crítica escapolia das minhas vísceras com rancor sobre o corpo doscente, poucos se salvavam. Estar do lado de lá me faz enxergar as próprias rugas e os cabelos brancos das minhas antigas razões. 

Acolhi a crítica tentando ser a ostra que projeta uma pérola para o futuro com a dor de um corpo estranho em sua víscera desnuda. Sempre poderíamos falar melhor sobre como pode ser a melhora dos outros, mas mesmo a fala indignada é uma forma legítima de expressão, escondendo verdades que talvez não fizessem o mesmo efeito se fossem ditas com luvas e maquiagem. 

O erro estrutural da crítica, contudo, foi que ela desprezou que se trata de um processo. Todo ser humano  livre, e consciente de sua liberdade, é perfectível, e vive em se tornar outro mais apto que seu corpo anterior. As peles vão ficando para trás, seus projetos antigos, suas folhas amassadas, e um ser vai tomando forma, sua história, sua obra, sua conclusão. Nem todos chegam a ser livros terminados ao final da vida, mas cabe a nós não cansarmos de sobrescrevermo-nos. Palimpsestos. 

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O que venho aprendendo até agora neste semestre

Entramos em contato com os assuntos do ciclo de desenvolvimento humano. Para tanto, investigamos a epidemiologia que traça um panorama da saúde da mulher e da criança na primeira metade do semestre, e do idoso, na segunda metade. 

Após esse panorama construído e assimilado, partimos para a prática, que é a busca de sentir na pele o processo de saúde e adoecimento das pessoas nos seus contatos mais básicos com o serviço de saúde. Empreendemos, então, consultas de pré-natal e puericultura, a construção de genograma, escuta e sistematização de história de vida, aplicação de escalas geriátricas nos idosos de uma instituição de longa permanência.

Antes de começar a ida para a instituição de cuidados para idosos, senti vontade de compartilhar o que veio passando pela minha busca de aprendizado.

1) Descobri a fundação Maria Cecília Solto Vidigal, que esteve recentemente no Ceará colaborando para o Curso de Formação em Promoção do Desenvolvimento Infantil.  Eles defendem que não basta uma política de saúde que permita o diagnóstico e a intervenção precoce das doenças que mais matam as crianças se não houver concomitantemente a capacitação dos adultos para cuidar que as crianças se desenvolvam bem. Na verdade, é um movimento histórico da puericultura. Quando estávamos em um país subdesenvolvido, precisávamos, sim, aumentar nossa vigilância sobre estas doenças que matam muito e não deveriam matar. Mas, agora, toda uma leva de crianças significativamente maior do que algumas décadas atrás sobrevivem ao primeiro ano, e estávamos negligenciando que, até os seis anos, um conjunto de medidas relacionadas ao seu desenvolvimento psico-afetivo e social precisavam ser melhor trabalhadas. Como sempre, isso é uma atitude que requer uma abordagem multi-tudo, incluindo a grande sensibilização de todos os adultos para proporcionar um ambiente saudável para todas as nossas crianças. Eis o site da fundação: http://www.fmcsv.org.br

2) Andei tendo contato com mães de primeira viagem, e entendendo as dúvidas que rondam essa primimaternidade. Com isso, vou comparando suas dúvidas com as minhas quando à época do meu filho estar novo no mundo. Um enfermeiro muito querido, amigo meu, me ajudou a dar vazão a algumas demandas delas, já que, atualmente, não exerço atividade de ambulatório e seguimento de pacientes. São queixas que vão desde a amamentação até os problemas de pele, funcionamento intestinal, primeiros resfriados e sinais de alarme. E ainda tive a oportunidade de conhecer mesmo alguns complexos laços familiares.   

3) Tive o momento ímpar de dar aula sobre reflexões acerca de conversar com os pacientes para além das técnicas de anamnese. Uma abordagem que, sem prescindir o interrogatório em busca da verdade sobre a doença e as possibilidades de cura, aproxima-se da pessoa em busca de acolhê-la como sujeito que, segundo os preceitos da medicina de família e comunidade, deverá ser co-partícipe de uma relação de cuidado pelo resto da vida. 

4) Estamos acabando de sair de uma prática de construção de genogramas. Já havia estudado isso, e praticado sua construção à época de minha residência médica, mas fico cada vez mais surpreso o quanto ele pode nos ajudar a perceber que o paciente não é um ser sozinho, que seus males possuem história dentro de relações, que essas relações, por vezes, o deixam ainda mais vulneráveis, e que a nossa intervenção médica isolada, bastas vezes, será muito pobre se for apenas clínica. Fui atrás de relembrar como foi o ciclo de maldições, e relações patológicas, que circundou a tragédia de Édipo Rei, uma das histórias mais conhecidas da mitologia grega. Em breve irei expor o genograma dele por aqui. 

5) Por fim, mesmo sem termos ainda conhecido as histórias de vida de alguns habitantes da instituição de longa permanência que acolhe nossa atividade de aprendizado, venho aprendendo grandes lições com a disciplina de cuidados paliativos, tão nova em nossa grande medicina moderna, tão necessária para o fato do qual ninguém escapou: a nossa morte. Esse aprendizado vem pelo litoral em que minha esposa navega, com muitas ondas violentas que vivem querendo derrubá-la. Todavia, profissional dedicada que é, vem lutando bravamente para exercer o paliativismo nas terras áridas do Ceará, cuja gestão, seja do SUS ou da Saúde Suplementar, negligencia completamente o cuidado que se deve ter para com aqueles que vem findando este ciclo de vida.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Por uma outra medicina

Comecei este blog com uma poesia. Dizia ela que estou relendo minha história (de ser médico), e re-experimentando o que passou. Quando da primeira vez que o fiz, quase desisti de seguir este caminho (o da medicina). Não é que fosse árido. Muitos colegas passaram pelas mesmas veredas e, embora sofridos também, se encontraram em algum caminho que os fez prosseguir.

Sempre fui um forasteiro. Veja que o único projeto que decidi me engajar era um de palhaços de hospital. A literatura que mais me chamava a atenção era a da estante das ciências humanas. Quando saía com amigos não-médicos, me diziam que eu não parecia ser estudante de medicina. Meus trajes à faculdade despertavam incômodo nos professores mais puritanos. Fiquei para a avaliação final em várias matérias, e não era porque não estudava, mas porque minha forma de pensar a vida e o corpo humano se chocava diretamente com aquela lógica estampada nos cânones. 

Eis que venho descobrindo outras medicinas. Elas existem. Existe vida médica para além da medicina que aprendi na faculdade. Falam sobre outras formas de enxergar o mundo, o homem, as doenças, o retorno à saúde. São outras tantas lógicas. 

Ensinaram-me, os velhos professores, que a história era a resultante das lutas do tempo. Nunca me disseram que entre os destroços do passado havia verdades sepultadas, sufocadas. Pensei que o que chegava hoje em nossos ouvidos era o diamante perfeito, burilado pelos heróis que venceram na história. Nunca me disseram - não com tanta veemência - que a luta destes heróis havia matado gente boa, decepado cabeças formidáveis. Então, o meu ato de re-leitura da medicina, não se contentou apenas em re-ler a que me ensinaram, mas em re-ler toda a medicina. E buscar ouvir os mortos e os moribundos. Venho encontrando os elos perdidos de mim. 

Grandes nomes, dezenas deles, médicos formidáveis acreditaram que a vida era o valor maior, e não a bioquímica, e não a anatomia dos cadáveres desconhecidos. Entendiam que a vida não podia ser reduzida a qualquer fórmula. E, no entanto, vivemos extrapolando nossos remédios diretamente dos laboratórios (in vitro) para os seres vivos (in vivo), sem pudor, como se fosse uma passagem possível e tranqüila. Venho encontrando o meu rosto encarnado nos fantasmas de ontem. Uma nova medicina percorre minha veias e me faz sorrir. Ela vem sendo o retalho de muitas teorias tidas como ridículas. 

Entendi, enfim, porque tive de passar pela palhaçaria até chegar aqui. Não tenho mais medo do ridículo. Aprendi que nele nos movemos e vivemos. Ele é o nosso combustível e a nossa graça. Infeliz aquele que nunca levou uma queda e riu de si. Prossigamos os estudos! 


sábado, 17 de outubro de 2015

Palestra sobre Homeopatia dado em Encontro Regional de Médicos

Fui convidado a dar uma palestra sobre homeopatia no Outubro Médico, encontro anual entre os pares do Ceará. O tema que me foi proposto era Homeopatia: uma medicina centrada na pessoa. Como não sou homeopata ainda, abordei na perspectiva do médico de família e do aprendiz de homeopatia. 

Quando, atualmente, os médicos nos entregam essa temática, tem-se em mente pelo menos duas coisas: 1. que a medicina, de alguma forma, por alguma corrupção estranha e histórica, deixou de ser centrada no sujeito/pessoa (para ser centrada em que, pelo amor de Deus?!) 2. que ser centrada no sujeito/pessoa é uma virtude que tem de ser resgatada, e é uma beleza que enobrece aquele que o faz. 

Todavia, quando me entregaram essa temática, me veio logo em mente as discussões mais atuais e fervilhantes que aconteceram nas ciências humanas sobre essa categoria que amamos tanto desde Descartes: o sujeito. Decidi, então, falar sobre a história do que vem sendo esse sujeito. 

Antes mesmo de Descartes, nos conta, por exemplo, Lucien Jerphagnon, esse amor pelo sujeito surge com a doutrina cristã, cujo Deus revelado, ao contrário de outras sociedades teocráticas, tinha um amor especial por cada indivíduo singular em busca de ativamente construir um processo salvador para sua história que, por exemplo, finda em uma escatologia onde salvar-se ou perder-se para sempre é o nó górdio. É dessa história, um dos pilares de nossa civilização, que descende nossa concepção de individualidade, respeito pelo outro, dignidade do outro, bem como todas as nossas esperanças de um final feliz, de um projeto de cura possível. 

Descartes inaugura um pensamento que coloca o sujeito como categoria cognoscente principal, a partir da qual, e apenas a partir dela, se pode pensar o resto do universo. Politicamente isso significa que está em nossas mãos, e apenas em nossas mãos, não mais em qualquer ordem natural pré-estabelecidade, conduzir o nosso projeto de salvação, em busca da verdade (ciência), em busca da justiça (política), em busca da felicidade (religião). Tanto ele quanto o inglês Bacon, em comum acordo, acreditavam que esse sujeito dotado, a partir de então, de todo poder e credibilidade poderia se tornar "como mestre e senhor da natureza". A natureza já não era entendida aqui como uma aliada, mas como uma inimiga. Vide aqui o debate que ocasionou nas almas o terremoto que devastou a cidade de Lisboa em 1755. 

Assim, Descartes contribui com uma concepção de um sujeito que temos como onipotente, dotado de uma razão que pode dominar o mundo e, enfim, portador de uma chama que pode nos conduzir para a própria salvação. O movimento iluminista vai encarnar em larga escala esse otimismo. 

A história nos devolve ao devido lugar. O sujeito que surgiu no começo do século XVIII como esperança de emancipação do homem de seus males naturais se volta contra o próprio sujeito provocando as maiores chacinas conhecidas até então com as Guerras Mundiais. E partiu mesmo de países como Alemanha que eram tidos como centros culturais do mundo. A iluminação intelectual, portanto, não nos conduziu para um fim salvador, mas para uma  catástrofe. 

A crítica que se levanta contra o "mundo da técnica", mostra um sujeito que abandona seu projeto primeiro de devolver a paz e a felicidade para a humanidade e se perde no trabalho de ser um funcionário de um projeto que ele não mais entende os fins últimos, que o objetivo final lhe escapa e, até mesmo, não lhe importa. Deixa-se de ir em busca do novo para o bem, e cai-se na busca do novo pelo novo. As tecnologias guiam o homem para apenas inovar e competir. 

O que a medicina tem a ver com isso? Ela, sendo atividade humana, segue, infelizmente, esse mesmo clima. Quando a revolução científica despontou no nascimento da idade moderna, nosso renascimento filosófico, uma onda de otimismo visando ao bem comum do homem se nos tomou. Com o tempo, esse objetivo último foi se esvaindo e caímos em uma medicina que não mais tem o projeto nobre da saúde como um fim último e sempre revisitado, mas que se encanta pelas inovações tecnológicas, as descobertas infindas de laboratório, a produção em massa de artigos científicos, ainda que de péssima qualidade, a prioridade da técnica sobre o sujeito. O tempo das consultas diminuem, a relação médico-paciente se esvazia. 

Então, quando falamos de uma medicina centrada no sujeito, falamos de um retorno a um tempo bom?

Acredito que não. Estamos vivendo a busca de uma nova forma de enxergar o sujeito e suas relações. O grande erro de Descartes, perfeitamente perdoável pelo contexto político da época, foi ter colocado no sujeito o poder de senhorear tudo. Foi necessário descobrirmos o quanto isso imitava o conto do aprendiz de feiticeiro, portando uma varinha com poderes mágicos ilimitados, provocando um desastre em todo o campo de treinamento. 

Hoje, estamos indo em busca de medicinas - falo no viés da medicina, claro - que entendam o sujeito-médico como um ser insuficiente, portanto, necessitado de todos os demais profissionais que o complementem. Surge assim a categoria do trabalho interdisciplinar. Um sujeito cuja razão não pode ser a medida de todas as coisas, sob pena de se tornar totalizadora, totalizante, redutora, e que, assim, aceita e estimula a participação do sujeito-paciente no seu processo de cura. O processo do cuidado em saúde deixa de ser uma prescrição e passa a ser um acordo de pares. Por fim, um sujeito que não mais enxergue a natureza como sendo uma inimiga, mas uma aliada. E aqui é onde a homeopatia entra com toda a força. Os medicamentos homeopáticos são, por natureza, um apertar amigável de mãos com a natureza curadora do próprio indivíduo. Eles não buscam apagar o fogo, conter a todo custo as placas tectônicas que provocariam o terremoto, mas conduzir o fogo ou o terremoto para uma comoção que promova a recuperação do doente. Os movimentos naturais da doença não são inimigos per si, são movimentos de cura que precisam ser bem apascentados. 

É assim que eu lanço uma outra categoria nessa palestra que dei: a medicina do pastoreio. O pastor de animais geralmente tem uma inteligência que sabe dialogar com a natureza, sabe dos perigos de alguns caminhos, a facilidade de outros, onde há a fonte de beber, onde há as lamas que poderiam prender suas ovelhas. Sabe mesmo quando é dia de sol ou de chuva. Não busca o lucro de uma produção infinita e cega, mas a boa condução que os fará - a ele, a sua família e ao seu gado - se alimentar bem para voltar a salvo para casa ao final do dia. 

Tentei começar, enfim, uma discussão sobre a necessidade de reelaborarmos esse tal de "sujeito" para um que não nos conduza de novo para o abismo. 

A palestra encontra-se temporariamente acessível aqui para ouvir ou para download:

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Conversa médica

Fui convidado pela coordenadora do módulo em que estou lotado para falar sobre um dos temas mais caros para mim atualmente: a racionalidade médica.

O assunto foi contextualizado pela atividade que empreendemos junto a uma instituição de longa permanência. Nossa primeira abordagem é conhecer o idoso através da sua história de vida.

A grande questão é que os médicos nunca foram ensinados a ouvir uma história de vida, mas sempre tentar encontrar a verdade nas memórias de doença que acometem alguém por mais ou menos tempo. Minha missão, então, era revelar essa forma de ver que molda o nosso olhar ao redor da doença e não em torno do sujeito. Nos faz pensar em padrões universais e não em singularidades. Não é a toa que há essa crise do cuidado com os pacientes que estamos enfrentando. As doenças crônicas se alastram com a conquista da longevidade, e a doença vai perdendo o padrão do livro e ganhando a particularidade de cada indivíduo. À medida que uma doença se aprofunda, é feito uma máscara que vai se amoldando a face de cada um, constantemente modificando essa face, se escondendo nela. A doença passa a ser uma forma de existir.

- Como poderíamos identificar os pontos em que poderíamos ajudar se apenas estivéssemos em busca da pureza livresca de uma síndrome?

É aqui que entendo ser importante a abertura do espírito para sabermos ouvir uma história de vida. E a habilidade que sinto mais ser necessária é conversar.

"Conversar é falar sem tentar nem convencer o outro nem o vencer: o objetivo é a compreensão, e não o acordo. Distingue-se com issa da discussão (que supõe um desacordo e o desejo de superá-lo) e do diálogo (que tende a uma verdade comum). A conversa não tende a nada, ou só tende a ela mesma. Sua gratuidade faz parte do seu encanto. É um dos prazeres da existência, especialmente entre amigos: as próprias diferenças os alegram; por que procurariam suprimi-las?" (Sponville in Dicionário Filosófico)

Muito embora, ao final, queiramos ter um quadro da pessoa com quem conversamos na cabeça, importa que tentemos não selecionar o que ela nos disser, pois tudo de sua boca importa. Não é a verdade que quero enxergar, mas ela, a pessoa. Essa atitude da comunicação, fundada na gratuidade, é o que torna nossa profissão menos rancorosa, menos tensa, menos desgastante.

Não é para abominar a atitude do interrogatório ou do diálogo, todas servas da verdade. Precisamos delas para fechar diagnóstico e propor condutas passíveis de ser submetidas às pesquisas, e assim melhorar-nos no geral. A conversa não busca melhora exterior às relações. O amadurecimento dela, que se faz quase sem querer, tende a gostosura dela mesma. É só lembrar das conversas entre amigos. E o silêncio confortável que se tem no meio delas.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Ensinando sobre infância

Coincidiu de eu estar nos dois polos da formação médica falando sobre o mesmo assunto: infância. Aqueles que estavam atendendo crianças pela primeira vez e aqueles que, depois de ter visto tudo de ruim do ser humano, estavam voltando a atender mães, em postos de saúde, que se dedicavam a ir periodicamente ao médico para que ele acompanhasse o desenvolvimento de seus pequenos. O que eu teria para falar para estes últimos?

Decidi falar sobre as preocupações que as mães têm, principalmente as de primeira viagem. 

Os tempos são outros. As famílias se esfacelaram. Mesmo nas classes mais baixas não costumamos ver aquela mãe com uma dúzia de filhos. Esta, a vida tratava de ensiná-la qual dos meninos vingaria ou não. Todavia, os meninos que não "se criavam", infelizmente, não eram exceção. Toda mãe de muitos filhos que já atendi nesta cidade carregava em si alguns lutos que nem se lembrava ao certo se eram dois ou três ou cinco. Talvez esse esquecimento fosse por causa da idade, talvez por causa da sobrecarga. 

O fato é que hoje as família estão menores, esfaceladas como eu dizia, despregadas do tronco que as havia originado, da cidadezinha rural ou do bairro em que vira todos os seus crescerem junto consigo. A urbanização e a revolução industrial polarizou desconhecidos para o oco de mocambos, e as mães para disputar emprego junto aos pais. Não estamos mais na formação de comunidade tradicional, em que as funções eram divididas entre membros da grande família, os homens cuidando do sustento e as mulheres de todos os filhos. Lá, a família era tão próxima que os primos eram chamados de irmãos. 

É por isso que pegamos tão frequentemente, e mesmo nas classes menos favorecidas, mães despreparadas e cheias de angústia sobre tudo. "Meu peito não dá leite, está cheio de fissuras, ele chora demais todo dia, seu bumbum está assado, não fez cocô o dia inteiro, não pega o sono direto à noite, apareceu duas pintinhas vermelhas na coxa e na perna quando acordou, etc." E, durante a consulta o bebê está bem, dorme em seu braço, ganha peso normal. Falta ali a experiência de todas as outras mães  que já passaram por aquilo e que poderiam estar dando suporte. Às vezes as opinadeiras têm em excesso, aquelas que vão uma vez perdida, jogam uma dica e saem para não mais voltar. Aquelas que seriam as avós e as irmãs de outros tempos estão em falta. É aí que nós entramos, médicos e enfermeiras de puericultura. Somos a mão armada da civilização urbana que colocou suas mães para se apaziguarem com nosso discurso. 

Foi pensando em todo esse contexto que idealizei uma aula que buscava mais ensinar aos alunos como despreocupar as mães sobre o bom crescimento dos filhos do que uma que prestigiasse patologias. Sempre busco passar as informações de quando dá para esperar, quando devemos intervir menos e deixar a natureza acontecer (vis medicatrix naturae). Adestramos nosso coração para ficar atento com os diagnósticos mais escabrosos do corpo humano - portanto, interviri! - e perdemos a noção de que a maior parte da vida é seguir vivendo. 

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Por que a homeopatia não é crível?

Todos alegam que é por causa da diluição infinitesimal do princípio ativo das medicações. Isso é o de menos. 

(Importa dizer desde o início que este texto está sendo escrito por alguém que acredita na homeopatia e esteve aberto, nos últimos meses, a entender o discurso dos adversários.) 

Tudo começa no princípio de todas as coisas. Embora, Hahnemann, seu fundador, tenha se fiado na lógica aristotélica e resgatado princípios hipocráticos para desenvolver seu raciocínio, ele fundamenta a principal atividade do homeopata em Deus. 


"[...] o que lhe [ao artista da cura] era necessário e completamente suficiente [saber] para o objetivo da cura, o Senhor da vida colocou diante de seus sentidos." (parágrafo 12)

Três ideias fundantes da homeopatia estão nesse excerto: 1. O objetivo da cura; 2. A capacidade do homem em completamente saber o que pode curar o outro; 3. A possibilidade de outro ser completamente curado. 

Estas três ideias gravitam em torno da ideia de um deus perfeito, no qual toda dialética é resolvida, toda discórdia apaziguada. Um deus que é pai do homem e que o tem como herdeiro da criação, de tal modo que a ele pode ser concedido o dom de saber o que pode equilibrar o mundo, devolver sentido ao que parecia desviado. Só podemos aceitar que a homeopatia pode acontecer em toda a plenitude de sua promessa se estes três princípios forem contemplados: 1. que a cura seja possível; 2. que o homem possa exercê-la; 3. que o outro possa ser submetido à ação do "artista da cura". E isso, repito, só é possível se houver a transcendente ideia de um deus que garanta essas possibilidades.

Tudo isso já não é motivo suficiente para a filosofia atual duvidar dos poderes homeopáticos?

O ridículo nessa história é que os alopatas pretendem exatamente a mesma coisa, só que sem nenhum princípio fundante. Era isso o que Hahnemann criticava. Como podem os alopatas querer curar os pacientes se eles não sabem, de fato, para onde vão? Sua teorias são uma colcha de retalhos sancionada pela autoridade dogmática de alguns luminares que, porque obtiveram alguns sucessos, acreditam poder replicar isso ao infinito. 

Quando, após Hahnemann, a alopatia descobriu os antibióticos, a farsa da cura se tornou mais verossímel que nunca. Um século depois, a medicina se depara com a tragédia da longevidade, que lhe entregou o ser humano corroído pelas doenças crônico-degenerativas. Quando as afecções eram agudas, os antibióticos ajeitavam. Quando o sofrimento era prolongado, os médicos frustravam-se. Frustavam-se? Frustram-se! Hoje a medicina vive mais de doenças controladas do que de pacientes curados. Hipertensão, diabetes, enxaqueca, lupus, artrite reumatóide, osteoporose, osteoartrose, asma, rinite alérgica, epilepsia, depressão, aumento do número de infecções resistentes a antibióticos, etc. 

É nesse contexto de recrudescimento do incurável que as medicinas integrativas ganham força, porque prometem o que a medicina científica ocidental não logrou dar. Todavia, estamos em uma época completamente diferente da que viu Hahnemann fundar sua doutrina médica. Não se acredita mais em Deus como sendo o centro gravitacional das ideias. Perdendo esse foco, perdemos toda a credibilidade naqueles três princípios que elenquei. 

Ainda que o remédio de diluição infinitesimal seja ratificado pelos laboratórios das grandes empresas farmacêuticas e que a energia vital dos seres humanos seja fotografada por alguma câmera Kirlian otimizada pela Apple, sem a ideia de Deus, nada mais dá força para que a cura seja uma realidade plausível. A vida, nestes tempos secos, mostra-se muito mais com sua face trágica de que não há solução possível para as dores senão a de as aceitarmos como elas são e encontrar o caminho menos doloroso para a morte, aquele que pode, não espantar o mal, mas assinar com ele uma política de boa vizinhança. 

Se eu acredito na homeopatia, é porque a ideia de um deus perfeito que organizou o universo para que pudéssemos amar uns aos outros, e nele, neste universo, deixou meios para que pudéssemos exercer este amor, me é ainda muito cara.  

Hahnemann: um cartesiano do século XVIII

Caímos na idade pós-moderna na mania de pisar o pensamento cartesiano. E todo aquele que pretende fazer com que sua doutrina seja reconhecida pelo mundo, busca ter sua bota sujando o túmulo de Descartes.

A primeira injustiça que se comete é a do anacronismo. Acredito que se busca tanto destruir aquele discurso, o do método, por causa da força dele que o fez admiravelmente sobreviver até os dias atuais, separando o joio do trigo, e permitindo teorias aflorarem mais puras e, pretensiosamente, sem marcas de religião. 

Eis a grandeza de Descartes, em uma época que os cientistas eram calados por um Igreja ditadora, ele, sutilmente, tece a linha que divide os dois campos de batalha: dos conhecimentos que tratam sobre a salvação celeste do homem e dos conhecimentos que versam sobre a salvação terrestre. Neste último cresceu o que hoje denominamos ciência. E mesmo sem saber, quando as pessoas querem dar autoridade para seus movimentos e, para isso, dizem "não somos religião, mas ciência", estão sendo filhas de Descartes, cindindo a realidade, renegando a autoridade de uma igreja que poderia sufocar os vôos do espírito de criação. 

Todavia, até mesmo o filósofo do método se valeu do discurso religioso. O que ele abominava era o império místico que se fazia sobre o conhecimento do mundo e a visão de que apenas iniciados sacerdotais poderiam ter acesso aquilo. De tal forma que este excerto da obra de Hahnemann é completamente cartesiano:

"Só assim Deus, o sustentáculo da humanidade pode revelar sua sabedoria e bondade na cura das doenças às quais ela está sujeita, mostrando ao artista da cura [o médico homeopata] o que ele teria que remover, para, assim, restabelecer a saúde. Mas o que deveríamos pensar de Sua sabedoria e bondade, se ele tivesse envolvido e encerrado no âmago, em mística obscuridade aquilo que deve ser curado nas doenças (como pretendia a escola medicamentosa dominante, afetando possuir visão divinatória da essência intima das coisas) e, assim, tivesse tornado impossível ao Homem o claro conhecimento do mal, e, conseqüentemente a sua cura?" (parágrafo 17)

Era essa mística divinatória que Descartes abominava, tendo erigido um pedestal para o raciocínio crítico que, defende, aos homens foi concedido:

"[...] pois, tendo Deus concedido a cada um de nós alguma luz para diferenciar o verdadeiro do falso, não julgaria dever satisfazer-me um único instante com as opiniões dos outros, se não tencionasse utilizar o meu próprio juízo em analisá-las, quando fosse tempo."

Contra a opinião dos outros, e suas conclusões baseadas em métodos obscuros, é que o filósofo se levanta para fornecer o caminho que possa bem conduzir a razão para as conclusões certas, o que acredita lograr conseguir com os princípios geométricos. Ora, o Organon de Hahnemann não pretende outra coisa: desfazer-se da doutrina opiniática dos mestres alopáticos a fim de concluir, segundo a mais pura lógica, o que deve ser a arte da cura. 

Outra semelhança dos pensamentos, como se Hahnemann tivesse realmente sido leitor de Descartes, é como ele se utiliza do dogma da perfeição e da bondade de Deus para com seus filhos a fim de embasar a possibilidade de conhecermos o caminho da cura das doenças:

"[...] o que lhe era necessário e completamente suficiente [saber] para o objetivo da cura, o Senhor da vida colocou diante de seus sentidos." (parágrafo 12)

Da mesma forma, Descartes entende que apenas podemos distinguir o verdadeiro do falso fora da nossa consciência de sujeito pensante porque Deus existe, é perfeito e, não cabe a perfeição querer ludibriar quem quer que seja, ainda mais filhos seus:

"Pois, em princípio, aquilo mesmo que há pouco tomei como regra, ou seja, que as coisas que concebemos bastante evidente e distintamente são todas verdadeiras, não é correto a não ser porque Deus é ou existe, e é um ser perfeito, e porque tudo o que existe em nós se origina Dele. De onde se conclui que as nossas idéias ou noções, por serem coisas reais e oriundas de Deus em tudo em que são evidentes e distintas, só podem por isso ser verdadeiras."

Os meus professores de homeopatia querem mostrar a validade desta nova medicina através da ordem do pensamento complexo, que não separa, que não distingue os elementos da natureza, o que acho perfeitamente válido. O que não acho é que devamos cuspir em Descartes para isso. Complexo é dialogar





Conhecendo o território dos homeopatas

Então, como havia falado alguns posts atrás, estou entrando no território dos homeopatas. 

Assim como em todo país, acreditamos ser unidos por um só nome, haja vista, nação, mas as tribos traem essa imaginação. Começando por estudar a homeopatia pela sua raiz, vou pensando que todo homeopata segue Hahnemann a risca e enxergo o óbvio: toda popularização perverte a origem dos princípios. É a lei do universo na ideia do Big Bang. No princípio era um ponto, então se espalhou, explodiu para todos os lados, partiu em bandas. 

Levei meu filho para a banda de um homeopata organicista e não unicista. Unicista são aqueles que, como o fundador, acreditam haver um remédio específico para a totalidade sintomática que você apresenta. Organicista seria aquele que devolve o seu olhar para a desordem das partes e vai buscando as preparações que tratam de calar apenas os sintomas, não se importando em desenvolver um pensamento sistêmico. 

Todavia, embora os unicistas me encantem, pela beleza da teoria, este organicista para quem levei meu menino me deu saudades. Lembrou-me de papai. A consulta não era demorada, mas era amena. Uma barba cerrada ressaltava olhos curiosos pela história que a ele contávamos. Ao redor de si, meio desgrenhado como a sua barba, ostentava um consultório que expunha sua vida entre a natureza cuidada como os jardins ingleses, que deixam tudo crescer conforme a vontade de Gaia. Talvez esteja aí a explicação de seu organicismo. Ele joga com as fórmulas e as semeia no corpo dos meninos e meninas que o procuram. Deixa que cresça a cura, sem vontade de domínio, com o gosto de deixar aberta a porta para um retorno próximo a fim de contemplar o crescimento daquelas plantinhas. O homeopata unicista tem o espírito francês. Muito embora Hahnemann tivesse sido germânico, mas sua doutrina arraigou-se na França, seu túmulo fora semeado lá. Ler o Organon era como ver o método de Descartes em ação. Vai duvidando de tudo o que é alopático - e alopatia era tudo na medicina - para deixar vir o que considerou a verdade do ato médico: a cura pelos semelhantes. E mesmo, como Descartes, a validade deste princípio repousa sobre a bondade de um Deus que nos trascende e de nós cuida (depois falo sobre isso). 

Como dizia, lembrei-me de meu pai. Se algum carinho guardo por qualquer pensamento organicista é porque o velho pensava assim. Vi ainda o exercício de uma medicina que há quase dois séculos foi enterrada, aquela em que o médico se fia sobre as própria evidências que acumulou na experiência dos brancos fios de sua cabeça. "Não dê banho frio no garoto", orientava, "no outro dia estará doente!". A faculdade que me formou ordenaria que eu jogasse de volta nele um "qual a evidência científica que o senhor tem dessa afirmação?". Deixei de lado essa crítica, me valeu a saudade. 

Vou em busca de unicistas para aprender o outro lado. 

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Dor total

Dor total é um conceito criado pela enfermeira e médica Cecily Saunders. Vale mais como uma mudança de percepção do que como um diagnóstico médico estrito senso

Embora os americanos pelejem sempre por tabelar a vida e desenvolver questionários que encarcerem em uma escala o que se apresenta subjetivo, falar em Dor total é falar em prestar atenção se a dor do paciente não está potencializada por tudo o que está ao redor da sua doença. Deveria acontecer esse chamado para tudo o que acontece com o paciente, e, de fato, a Associação Nacional de Cuidados Paliativos o faz: 
Em Cuidados Paliativos, costuma-se ampliar a noção de “dor total” para o de  “sintomas totais”, já que não é só na dor, mas também em outros sintomas (tais como ansiedade, depressão, distúrbios do sono, vômito, dispneia, etc.) que os fatores psicológicos se fazem presentes. (in Manual de Cuidados Paliativos da ANCP, 2a ed., p. 338)
Isso porque, na verdade, tudo o que temos é um Indivíduo total (um Indiviso). Tudo isso cheira a óbvio, mas não é. Nossa mentalidade científica do último século pulverizou o homem, dividindo-o em tantas partes quantas fossem necessárias para enxergar de forma clara e distinta seus componentes mais preciosos, pensando assim acessar a verdade que se encontra em seu íntimo. Não passou pela sua cabeça que aquilo que liga as partes também contava, os conhecimentos das fronteiras. Daí, quando falarmos em Dor total, Sintoma total, automaticamente se pensar: "precisaremos de uma abordagem interdisciplinar para lidar com isso". 

É só olhar as residências médicas do Ceará. Quantas delas praticam atendimento conjunto com os outros profissionais de saúde? Quantas correm pari passu com as residências multiprofissionais? Vejam que ainda somos um residência isolada: a residência médica. E as outras profissões encaixam-se todas em um mesmo saco: a multiprofissão. Nossos conhecimentos iniciáticos de medicina nos fazem perder a grandeza de enxergar o indivíduo indiviso. Só quem sofreu a perda de um amado, como a Dra. Saunders, é que sabe o quanto dói totalmente no peito a terminalidade do corpo humano.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Introdução à Saúde Comunitária para os internos

Meio difícil capturar a atenção daqueles que estão nos dois últimos anos da faculdade de medicina a fim de fazê-los ouvir - mais uma vez! - o que seria saúde comunitária, sua história, seus princípios atuais, suas lutas, obstáculos, perspectivas, tendências. 

Parei um pouco para pensar. Havia preparado um roteiro coerente e... sacal. Olhando aqueles rostos com cara de bocejo, decido falar sobre minha caminhada. O que aconteceu após o término da faculdade, como as velas de meu barquinho viraram rumo a medicina de família e comunidade. Então, no meio das minhas experiências, vou soltando os conceitos mais caros dessa área nobre que, ainda hoje, é para pobres. 

Brinquei sobre a saúde do homem, dizendo que está longe de ser apenas uma "dedada". Mas, o cuidado de tudo na vida como um todo. Os homens são tão descuidados (consigo)! E extrapolei o conceito de homens para o de humanidade. Os homens são tão descuidados (com o nosso planeta)! Falei o quanto a reforma sanitária ainda está no papel. Discorri sobre uma história da medicina que culminou na importância de um diagnóstico preciso sobre um agente etiológico específico relacionado com uma terapêutica combativa pontual, mas fui tentando mostrar que estamos vivendo uma quebra de tantos conceitos, com a pulverização de tantas certezas, que é admirável algum médico hoje ter consciência tranqüila ao prescrever qualquer medicação. A saúde se encheu do conceitos de probabilidades, riscos, vulnerabilidade, desencantou-se das certezas de ontem. O hospital nos dá uma tranqüilidade do controle de variáveis, mas a comunidade responde com travessuras. O pior de ter que cuidar de pessoas que não estão doentes o suficiente a ponto de se entregar ao seu controle é elas não se submeterem ao nosso controle. 

Por fim, falei que estávamos, nós da saúde comunitária, percebendo que os casos complexos - há um amigo que me diz que não existe o caso não complexo, mas o negligenciado, anotemos isso e passemos adiante - podem não ser apenas uma doença rara que está escapando de nosso olhar clínico não experiente, mas uma falha do nosso modelo de raciocínio, da nossa racionalidade médica. Isso quer dizer que outras medicinas, haja vista, homeopatia, medicina antroposófica, medicina tradicional chinesa, podem conseguir visualizar a doença e, portanto, as linhas de fuga melhor do que esta que adestra nosso olhar em seis anos de faculdade. 

Acho que entenderam algo. Mas, o que mais os frusta não são aulas sacais de saúde comunitária, nem professores chatos, didáticas pífias, mas não conseguirem enxergar toda essa teoria grandiosa no bojo do cotidiano. Quando chegam lá, deparam-se com entraves organizacionais e políticos, relações médico-paciente truncadas e desgastadas. O que é preciso para acender a vontade de cuidar das massas ao ponto de enfrentar sacrifícios diuturnos? 

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Saldo do semestre 2015.1

Cheguei com ideias fervilhando. Particularmente entre os internos de medicina, peregrinos dos dois últimos anos de faculdade. Estive nos dois extremos da formação médica: os novilhos do terceiro semestre, os touros do último ano. Desafios diferentes. 

Com esse blog acho que consegui passar algum recado de um professor que quer educar emoções também, e não apenas razão. Nunca vou me esquecer dessa frase, que encontrei perdida em algum lugar, de Carl Rogers:


Talvez a mais básica dessas atitudes essenciais (para facilitar a aprendizagem) seja a realidade ou autenticidade. Quando o facilitador é uma pessoa real, sendo o que é, ingressando num relacionamento com o estudante sem apresentar-lhe uma máscara ou fachada, ele tem muito mais probabilidade de ser eficiente. Isto significa que os sentimentos que está experimentando estão disponíveis para ele, disponíveis à sua consciência, que ele é capaz de viver esses sentimentos, sê-los, é capaz de comunicá-los, se for apropriado. Significa que ele se encontra direta e pessoalmente com o estudante, encontrado-o numa base de pessoa para pessoa. Significa que está sendo ele próprio, não renegando a si.

Vim expondo aqui minhas fragilidades, ressignificando as experiências na medida em que me via refletido nos novos. Vim estudando com mais afinco a medicina para ver se ajudava aqueles que daqui a pouco estarão na linha de frente. 

Quis colocar em movimento um grande projeto, conforme meu jeito megalomaníaco de ser. Acreditando revolucionar a educação médica, queria fabricar uma apostila que falasse, de forma prática e direta, ao recém-formado que enfrentaria a realidade dura de ambulatórios de atenção primária por aí, forçados ou não pelo programa do governo presente. Essa apostila seria elaborada com ajuda de uma equipe empenhada de alunos. Queria ainda dar à luz um canal de comunicação com todos que discutisse casos de pacientes reais, os quais tenho aqui arquivados em algumas pastas, frutos de laboriosa residência em medicina de família. O que aconteceu?


  • O mestrado comeu a minha atenção, o meu ânimo, o meu ímpeto;
  • O concurso de residência próximo ao fim da faculdade comeu a vontade dos alunos de se dedicarem a esse empreendimento.

Por outro lado, fui presenteado com um convite para ser o orientador de uma Liga de Saúde e Espiritualidade. Excelente oportunidade de ligar em mim essas duas áreas que vem sendo minha profissão e minha fé para vir a ser minha profissão de fé. Por causa do projeto de palhaçoterapia que ajudei a fundar e venho seguindo o amadurecimento na faculdade que me formou, já venho tendo grandes avanços em ser um médico espirituoso. Mas, o sonho de ser um médico espírita está por se fazer. Não é um projeto proselitista, mas um que reconcilie o mundo e o espírito em mim. 

Gratidão ao semestre que finda. Coração ao que se inicia.  

terça-feira, 23 de junho de 2015

Homeopatia: A luta começa



Antes da primeira aula de homeopatia da especialização, há muito me deparo com os preconceitos e os sorrisos irônicos de meus colegas contra minha escolha. Hoje peguei o que mais gosta de ironizar e tirar graça. Vou postando aqui os argumentos, em doses homeopáticas, a fim de pintarmos o quadro do preconceito que se nos avizinha. Hoje, o mais marcante foi este:

- Sério?! Você vai fazer homeopatia? - pergunta repetida cerca de cinco vezes. 
- Sim. - resposta respondida sem titubear com a mesma reiteração. 
- (Mais uma vez) ... homeopatia?
- Você sabia que existem pelo menos dez tipos de medicina no mundo, das quais uma se chama medicina alopática, dita, científica. 

Antes que eu acabasse essa frase, o colega me corta:

- Uma verdadeira e as outras falsas. 

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Ingressando na Homeopatia

Decidi fazer homeopatia. Um psiquiatra que estava lá - que não mais se intitula psiquiatra, mas médico, depois de ter se tornado homeopata (eis o seu blog) - disse que as pessoas costumavam entrar mais tarde nessa forma de fazer medicina, lá pelos quarenta anos em diante. É quando se cansam do outro jeito de fazer as coisas, o que olha as pessoas de forma fragmentada. 

Eu tenho trinta. Estive desencantado com a alopatia desde os dezoito. Começar estudando o corpo humano por ele morto talvez tenha sido uma das piores experiências que pode ter gerado um desgosto por tudo aquilo. Forçado a acabar a faculdade para ser diplomado médico, acabei por me acostumar com a forma de olhar as doenças como entidades independentes, atreladas a órgãos e não a pessoas e histórias de vida. 

Especializei-me em medicina de família e comunidade. Parecia ser o mais próximo de uma medicina mais inteira. Como ela se encontra ainda muito presa ao sistema público de saúde, os fluxos ainda estão muito emperrados, pelo menos aqui no Ceará que, por estes anos, vem enfrentando muitos problemas com as verbas da saúde, mais do que a média nacional, acredito. Ademais, as possibilidade de se exercer uma clínica criativa esbarram-se com a pressão pelo atendimento infindo, rápido e, portanto, de péssima qualidade. 

Apresentaram-me a homeopatia. Ouvir falar de um médium espírita que conquistou toda uma região do interior mineiro, nas cercanias de uma pequena cidade de nome Sacramento, prescrevendo receituário mediúnico com remédios homeopáticos. Sua biografia muito me cativou. Seu nome: Eurípedes Barsanulfo. Depois, tive a oportunidade de assistir à uma mesa redonda em um congresso onde deram a palavra à uma representante do Instituto Mineiro de Homeopatia. Descobri que eles tinham cursos relacionando mitologia grega e homeopatia, mas que precisava já ser especialista para participar. A especialidade era semi-presencial. Teria de ir doze vezes até lá. Estava preparado para enfrentar essa despesa, quando fico sabendo de um curso em moldes semelhantes aqui em Fortaleza. 

É este curso que irei fazer. Sei muito pouco sobre o assunto. Já vi muita gente atacando esta doutrina médica. Mas, como sempre fui mais ou menos um cara que pensa na contra-corrente, isso apenas me deixou com mais vontade de estudar a fundo toda essa novidade e, sinceramente, penso em me dedicar a ela com militância e paixão. 

Uma amiga que está fazendo pediatria e se subespecializando em alergologia disse-me que é preciso um pouco de fé para pender para a homeopatia. Cá entre nós: o que não precisa?

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Eu velho ser

É o primeiro passo: querer ser velho. Não queremos, a maioria de nós na maior parte das vezes. Porque somos jovens... por ora. Mas, quando a nossa hora tardar na vida, o que seremos? Nossa cultura pede para sermos jovens, apesar de velhos. É sempre uma fuga e um deslocamento de si, uma dissociação. Não se admira que fiquemos dementes. 

Quando ouvi pela primeira vez do professor de geriatria que o tempo que minha geração estava sendo "programada" para sobreviver após os sessenta excedia os anos que até então eu tinha, não consegui pensar em outra coisa o resto da aula. Porque já tinha vivido demais até ali: sustentado a cabeça, abandonado os reflexos primitivos, engatinhado, andado, pulado, escalado. Já tinha tido três paqueras platônicas e três grandes amores, com quase tudo que eles tinham direito. Havia enfrentado a vergonha de se expor aos coleguinhas em trabalhos de apresentação oral e ao grande público em pelo menos cinco grandes peças de teatro. Aprendi a escrever e escrevi muito entre poesias, contos e peças. Adoeci de forma grave duas vezes, e ganhei uma hérnia de disco. Aprendi a nadar, enfrentar o mar e fui campeão de alguns jogos olímpicos juvenis. Havia feito algumas loucuras inocentes, mas perigosas, como atravessar metade da minha cidade correndo, apenas para sentir o gosto da liberdade do primeiro dia de férias de algum ano qualquer. Ajudei pessoas, evangelizei crianças, organizei eventos...

Tudo isso em 20 anos de vida - a idade que eu tinha quando assisti àquela aula. Estão me programando, dizia o professor, para viver até os 80 anos. Mas, se a partir dos 60 eu estiver na falta do que fui, estarão me programando para apenas sobreviver até os 80. 

Realmente, agora, não tenho ciência do que pode ser conselhos para curtir a velhice, mas posso imaginar que há algo bem errado no que costumeiramente pensamos. De fato, a idade traz consigo as doenças, prenúncios de nossa mortalidade. Mas, se vivermos a vida pensando no que nós perdemos, isso já é estar morto na nostalgia. O que ser velho teria de bom? Claro que a experiência! Não é um imbecil, é um prudente. Todavia, sem olhar os jovens com inveja ou menosprezo. Saber que a vida tem seus ciclos e que o da velhice convida a ouvir mais tudo o que vamos deixando de ser. Ouvir o que vamos deixando de ser não é ouvir o passado, mas todo o presente que é encoberto pela nossa volúpia de vida dos tempos de adolescente, quando queremos ser o sol. É saber estar no hemisfério da lua e, portanto, enxergar a miríade de estrelas que o sol tornava invisível. É o tempo de escrever memórias, não como quem resgata o passado exatamente como ele é, mas como quem reescreve a vida dando a sua cota de identidade para que ela seja um pouco mais a sua cara. Outras prioridades são elencadas, é o que nos diz (neste artigo aqui) o famoso neurologista Oliver Sacks no auge de seus 81 anos e metade do fígado consumido por metástases:


"Repentinamente me sinto possuidor de um foco muito claro, e de perspectiva. Não há mais tempo para nada que não seja essencial. Preciso focar em mim mesmo, no meu trabalho e nos meus amigos. Não vou mais assistir o jornal na TV todas as noites. Não vou mais prestar atenção para política ou para argumentos sobre aquecimento global. Não se trata de indiferença, mas de desapego – ainda me importo muito com o Oriente Médio, com o aquecimento global, com o crescimento da desigualdade, mas estas coisas não estão mais na minha alçada; pertencem ao futuro. Regozijo-me ao encontrar jovens capazes – até mesmo aqueles que fizeram minhas biópsias e diagnosticaram minhas metástases. Sinto que o futuro está em boas mãos. (...) Não posso fingir que não tenho medo. Mas meu sentimento predominante é a gratidão. Amei e fui amado; ofereci muito, e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Comuniquei-me com o mundo com a comunicação especial dos escritores e leitores."

Então, é o momento que os assuntos da espiritualidade estão mais presentes, porque o espírito está mais à flor da pele, já que ela está tão fininha. Deixo com vocês uma das minhas poesias preferidas em homenagem ao ser velho do nosso poeta Olavo Bilac, Velhas Árvores:


Olha estas velhas árvores, mais belas 
Do que as árvores novas, mais amigas: 
Tanto mais belas quanto mais antigas, 
Vencedoras da idade e das procelas... 

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas 
Vivem, livres de fomes e fadigas; 
E em seus galhos abrigam-se as cantigas 
E os amores das aves tagarelas. 

Não choremos, amigo, a mocidade! 
Envelheçamos rindo! envelheçamos 
Como as árvores fortes envelhecem: 

Na glória da alegria e da bondade, 
Agasalhando os pássaros nos ramos, 
Dando sombra e consolo aos que padecem!


Envelheçamos!

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Envilecer

Neste texto falo dessa corruptela do envelhecer que o confunde com o envilecer, o degenerar-se. A decrepitude passa bem essa imagem. Utilizam-na como sinônimo de envelhecimento, mas fala sobre um estado de alguém quebrado e, porque quebrado, menor, pior, inútil. 

É desse sentimento que fala Montaigne:


"Odeio esse acidental arrependimento que a idade traz consigo. Quem dizia antigamente ser agradecido aos anos por o terem desfeito da volúpia, tinha uma opinião diferente da minha; eu nunca serei grato à impotência de bem que ela me causa. (...) Eu teria vergonha e inveja se a miséria e a desfortuna da minha decrepitude fossem preferidas a meus bons anos, sadios, vivos, vigorosos; e se me estimassem não pelo que fui, mas pelo que deixei de ser. (...) A velhice nos dá mais rugas no espírito do que no rosto; e não se vêem almas, ou são raríssimas, que ao envelhecer não recendam ao acre e ao embolorado. O homem caminha inteiro para o seu crescimento e decrescimento." (Os ensaios, III, 2)
Envelhecer seria se esvaziar do que a juventude era. Despede-se da volúpia, da potência, da saúde, do vigor. Não se olha a velhice pelo o que ela é, mas pela ausência que ela sinaliza. É deixar de ser jovem. Rousseau concorda com seu conterrâneo:


"Por que o homem está sujeito a se tornar imbecil? Não é absolutamente porque retorna assim a seu estado primitivo, e o animal, que nada adquiriu e nada tem a perder, permanece sempre com seu instinto, e o homem, perdendo com a velhice e outros acidentes tudo o que sua perfectibilidade lhe havia feito adquirir, torna a cair mais baixo do que o próprio animal?" (Rousseau, Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens)

Suas perguntas apontam afirmações terríveis: envelhecer é imbecilizar-se, é rebaixar-se para aquém do animal. O homem que, por causa da sua perfectibilidade, conseguiu subir tão alto, para além de toda determinação natural, ao chegar na velhice, se torna um estorvo. Rousseau menosprezava a medicina, talvez por causa disso. Dizia nunca ter visto sair pessoas das mãos do médico, mas zumbis. O que realmente deveria ser verdade mais à sua época do que agora. Muito embora ainda encontremos vidas - muito mais do que gostaríamos de encontrar - que se tornaram estorvo por causa da intervenção médica, do contrário teriam se tornado adubo. 

Esse é o lado de quem encontrou na velhice o caixão como símbolo, de quem acreditou demais nos poderes dos jovens. É a identidade da civilização dos modernos, para quem a produtividade material é tudo, para cujos futuros aposentados deve-se fazer cursos de como viver a velhice a fim de que não se deprimam. 

Não é a visão que gostaria de ter. Na próxima postagem, trago alento para estes tristes. 

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Envelhecer

Piedade para com a idade.

Desde o início da construção do olhar sobre a geriatria fazemos com que os estudantes se deparem com estatísticas assombrosas sobre nossos idosos. Estão analfabetos, acamados, com problemas renais, cardíacos, pulmonares, neoplásicos. Esta é a imagem que surge a nossa frente consultando a base de dados do governo.

Pouco tempo depois vamos ao posto de saúde saber como é o desenho da família destes homens e destas mulheres que vêm a nós. Estão cuidando dos filhos de seus filhos, quando não estão sozinhos em casa, na vida.

Em seguida, vamos a uma instituição de longa permanência, um lar para idosos, que já melhorou muito desde a última vez que estive por lá, mas há ainda um odor de urina no ar e a triste visão da dependência em camas. A ciência médica tenta se apropriar do sofrimento deles para minorá-lo, e a interna me diz que a cada mês são quatro ou cinco mortes.

Um dos nossos chorou ao ver tudo aquilo, enquanto eu explicava sobre porque a deficiência de dopamina provoca rigidez e movimentos involuntários. 

É isso o que temos a ensinar sobre velhice para nossos jovens? Sobre o quanto ela nos leva ao médico? Pobre médico que aprende a enxergar a velhice com olhos tão tristes. 

Isso não é uma crítica ao nosso plano de ensino. Ele é muito ativo, com atividades de campo, contato precoce com o paciente, coleta de histórias que vão além da doença. Isso é um lamento para com a medicina que nos faz ver o mundo pelas lentes da doença. Queremos, então, que o médico seja um amor de pessoa, quando só viu desgraça do começo da faculdade até o fim. 

Precisamos endurecer para sobreviver nessa profissão. Quantas lágrimas não tive que engolir para dar prioridade ao raciocínio que tinha de falar! Quando a dor nos bate a porta, espera uma resposta mais do que um ombro amigo. Mas o ombro amigo, quando as respostas vão falhando, é o que sobra dar, e o que não nos ensinam. Não faz parte do que cai nas provas de residência médica.

Ainda falarei aqui sobre a velhice. Meu objetivo é tentar mostrar mais a beleza de não mais ser jovem. Por enquanto, deixo apenas essa reflexão de denúncia.  

domingo, 5 de abril de 2015

Revolução no Ensino Médico

Acho que estamos passando por isso: uma revolução.

Saímos de um modelo de ensino em que os grandes especialistas estavam ali, a nossa frente, vomitando seus conhecimentos infinitos sobre nós. Esse modelo de ensino ainda é um do século XVI. As grandes autoridades eclesiásticas falam sozinhas em um púlpito para pobres de espírito a fim de que se iluminem.

A hiperespecialização da medicina escancarou nossa incondicional ignorância e necessidade do outro para, juntos, resolvermos os problemas que a realidade - sempre mais total que nós, estes seres lacunares - apresenta. 

Mas, nossos métodos de ensino nas escolas médicas (ao menos as cearenses) não cresceram assumindo essa necessidade do outro. Há os métodos que pedem para o aluno ser completamente ativo, sem o professor: isso é gerar outro sujeito autônomo demais para crescer na alteridade. O que estou vivendo com os alunos do internato é algo completamente novo e mais verdadeiro. 

Temos alunos espalhados por vários setores da saúde que lidam com os pacientes com queixas de atenção primária. Até mesmo no mundo rural eles estão batendo ponto. 

Uma atividade onde todos se encontram na última tarde da semana foi programada. Para que? Para que discutíssemos temas que os ajudariam nesse périplo. 

- O que está acontecendo? Discutimos temas importantes, mas descasados com as dúvidas clínicas que surgem deles. 
- O que acontece, então? A desmotivação nos corpos, as mentes dispersas, o espírito ausente. A assinatura no papel é uma tinta borrada na existência. 
- O que pensei em fazer? Inicialmente fui atrás de especialistas para compor uma lista de problemas que eles acham prudente o médico recém-formado dominar a fim de conseguir tornar a Unidade Básica de Saúde da Família resolutiva, pelo menos no que tange o médico e suas habilidades. 
- Com que me deparei? Os internos se interessaram muito, mas quando dei abertura para uma aluna falar, ela me passa uma pequena lista com temas ainda mais básicos, ainda mais cotidianos, que gostaria de ter mais intimidade. 
- O que decidi fazer? Sem abandonar a lista dos médicos que consultei, convocar voluntários da sala para uma força-tarefa que me ajude a criar uma apostila respondendo as principais dúvidas que esta geração de internos apresenta. Formar uma comunidade de aprendizado, gestando um trabalho nosso que supra as carências. 

Eu sou um médico de família e comunidade. Adoro saber de tudo um pouco, mas há sempre e cada vez mais coisas que me escapam. Como professor, estou propondo sair do pedestal e me misturar com os alunos a fim de aprendermos juntos com a atividade de responder essas dúvidas do dia-a-dia. 

Perspectivas: O documento será elaborado no formato Google Docs, compartilhado via Google Drive para edição da equipe força-tarefa e comentários dos demais alunos. Ao final ou paralelamente, vou expô-lo aos preceptores e residentes de Medicina de Família do sistema unificado de ensino da Prefeitura de Fortaleza. Tenho vontade de fazer diálogos com especialistas, gravando os mesmos em podcasts, e propor inserir essas conversas de café de fim de tarde na página da Associação Médica Cearense. Isso poderá ajudar todos os médicos recém-formados que, hoje, são quase obrigados pelo governo a passarem de um a três anos junto com as populações de risco atendidas pelo Sistema Único de Saúde. 

Acho que vai ser muito divertido. Vamos ver no que vai dar!

Alunos que cochilam na aula

Eu sou uma espécie de prova de que isso não é um problema. Nunca dormi, na vida inteira, em qualquer aula. Mas, à medicina...

Pensei que era uma questão de teorias densas demais em ambientes gélidos e sombrios, mas mesmo nas práticas de ambulatório à luz do dia, quando o professor começava seu discurso explicativo, o Espírito queria se desprender do corpo de várias formas, fosse sonhando acordado ou cochilando.

Imaginava que pudesse ser a forma como o professor falava, com monotonia, com desinteresse no assunto. Mas, hoje, falando sobre Atenção Primária aos graduandos sob minha responsabilidade, com recursos de retórica, expressão corporal e entusiasmo, ainda os vejo ali, nós, os pescadores de sonhos.

Hoje, não durmo mais ao ouvir os assuntos que me interessam. Mas, também, sinto muito presente a dor ainda insóluvel dos pacientes correndo no sangue, em parte por causa da minha ignorância. Minha parte nesse processo: educar-me como posso. Aprender!

Quando estava à faculdade não sentia a necessidade quase biológica que sinto hoje de responder a contento aos problemas de saúde que se me apresentam. 

Queria fazer um estudo sobre os alunos que dormem. Não para os expor como mau exemplo, mas a fim de entender para onde vão quando não estão conosco. 

P.S.: Estive conversando com alguns estudantes um pouco depois de ter escrito isso. Eles me deram alguns motivos: 1. horas seguidas de atividades fazem com que o momento da fala do professor possa ser um descanso quando se decide por não dar intervalos, 2. a fome, 3. a atividade matinal depois de uma noite de estudo, 4. a inércia do corpo após o final de semana. Por outro lado, alguém apontou minha prolixidade. Ora vejam só! E mais, que certos professores (nesse momento, eu provavelmente incluso) buscavam prolongar a conversa, mesmo quando se poderia ter acabado com o assunto antes do horário final da aula, a fim de manter os estudantes até o fim estipulado. Minha réplica (pacífica e compreensiva, nada de clima de guerra, aprendi a aprender muito com confrontos): Não prolongo falas para deixar alunos em cativeiro, mas para cativar alunos, a fim de que tenham algum elã pelo o que amo na medicina. De fato, isso pode deixar o discurso prolixo, tornando a extensão do assunto abordado tão vasta que foge dos objetivos. Solução primeira acordada: Momento de fala inicial mais objetiva que contemple o que é estritamente necessário para aquela atividade. Depois, momento de fala bônus com conhecimentos para além da bitola do semestre a fim de mostrar uma realidade mais vasta, ainda que seja por uma fenestra de conhecimento adicional. Sobre os outros pontos, me veio as formas de aprendizado conduzidas por Platão, eram diálogos intensos dentro de uma academia; por Aristóteles, passeava em um jardim; por Epicuro, em meio a uma alimentação frugal junto a discípulos que considerava amigos, uma amizade que considerava como uma das coisas mais importantes da vida. Pensemos nesses exemplos!

quinta-feira, 26 de março de 2015

Contra a frustração do Médico de Família

Falamos sempre da imensa importância de nossa prática para o desfecho total da saúde populacional, porém sempre temos que levantar os empecilhos que enfrentamos para sermos reconhecidos. E a lista de obstáculos é grande. 

Os melhores argumentos que possuo são aqueles que transcendem as forças dos médicos para mudar essa situação. Por exemplo, a cultura biomédica que enaltece a forma como se dignóstica e trata as doenças que funciona perfeitamente no modelo infectológico de raciocínio, de cadeia linear efeito-causal, em que basta desvendar o agente etiológico, na maioria das vezes único, para, armando-se contra ele, debelar o efeito. Pneumonia? Streptococcus pneumoniae! Beta-lactâmico ou outro antibiótico a que ela é sensível. Uma medicina extremamente gostosa de se praticar. Efeitos quase imediatos. Paciente rapidamente satisfeito. Gratidão garantida. Todo o universo da prática médica secular rapidamente ali, na sua frente.

Mas, hoje fizemos uma intervenção comunitária. Atuamos sobre doenças, como a obesidade infantil, que precisa do apoio de vários setores da comunidade para ter efeitos mínimos de médio a longo prazo. Frequentemente fora do alcance visual e vivencial do médico que iniciou o projeto e o diálogo sócio-político. A não ser que ele descambe para a gestão em saúde, para a política em si, que tem esses dados na mão, que sente esse desfecho na pele da própria eleição, reeleição e satisfação do eleitorado. 

Foi por isso que uma aluna levantou sua objeção sobre até que ponto verdadeiramente esta atuação que a faculdade faz semestralmente está efetivamente valendo na melhoria da saúde das famílias que participam de nossa atividade. 

Paciência histórica foi nossa resposta. O modelo mais simbólico da paciência histórica são os recifes de coral. 




Que formam atóis de uma riqueza viva sem precedentes, cuja formação pode levar milhões de anos para se processar, até ficar assim:


Para isso foi preciso, entre muitos atributos, a ausência completa de liberdade e consciência dos trabalhadores (os corais) para que a vida tomasse o seu curso de gerar ainda mais vida a partir da sua própria degradação. 

Quando o ser humano desenvolve isso que os gregos antigos atomistas chamavam de desvio (clinâmen), passamos a questionar as ações da própria natureza de nos conduzir, a desobedecer os impulsos mais fundamentais e a discordar dos grandes processos que ela conduz em nós. Daí surgiu a política e a filosofia para que pudéssemos entrar em algum acordo que convencesse as pessoas de se engajarem nos projetos a favor da vida e da saúde no correr dos anos. Um processo moroso, doloroso, imprevisível. Por mais que debatamos, difícil prever o desfecho. Ainda mais difícil fazê-lo sem deixar que se sobreponha nossos interesses particulares em detrimento dos comunitários. Queremos um fim nobre para a humanidade, mas, com o desenvolvimento tecnológico discrepando do crescimento ético, vemos cada vez mais a proximidade do nosso fim. 

É isso que não desejamos, embora, quem sabe, já diziam os gregos antigos também, não seria melhor para a natureza se os humanos acabassem de fato, essa rebelde geração de bronze. 


  

quinta-feira, 5 de março de 2015

Franciscanas

Hoje, duas alunas tiveram a iniciativa de ajudar uma gestante que havia chegado sozinha e com fácies de dor. A despeito de eu chamá-las para discutir casos e fazê-las conhecer o resto da maternidade, o que era nosso objetivo lá, continuaram tentando ser útil de alguma forma àquela senhora.

*** 

À época do internato deparava-me com alguns franciscanos ajudando os pacientes internados nos corredores (!) do hospital em que estagiei. 

Figuras estranhas, pareciam ter emergido da Idade Média. Um residente de neurologia, em conversa informal, me falava que tinha certeza que havia algum distúrbio neurológico naqueles senhores e senhoras. Talvez mesmo em Francisco de Assis, o original. 

Já ouvi psiquiatra brincando de dar diagnóstico retrospectivo em grandes personalidades históricas. Incluía o Pai Francisco em um transtorno bipolar. O fenômeno da estigmatização ao final da vida não passava de uma auto-flagelação santificada pelo imaginário religioso de que a mentalidade medieval era repleto. O processo de conversão, despindo-se em público e torrando a riqueza do pai, um episódio típico de mania. 

A dúvida que fica é o que a medicina tem a ver com a resposta feliz das pessoas à vida? Em meio a tanto misticismo, o Pai Francisco parecia uma flor orvalhada no deserto. As mulheres, as crianças e o riso por ele eram dignificados contra toda uma cultura sombria, séria e patriarcal. A esmola não era bem um parasitismo, mas um exercício de ascese espiritual, nos diz Pierre Hadot, Jacques Le Goff. Aprender a enfrentar o orgulho, a vaidade e reconhecer na pele, com a fome e com o desprezo das pessoas o quanto essa vida é passageira e fútil. A amizade, a comunidade e o amor a Deus ou ao Deus que se manifesta no próximo doente eram as grandes preciosidades. 

Tanta gente se figurinizando de ídolos de barro por aí. Escolher uma vida franciscana pode ser uma sábia resposta para esse mundo que nos devora com novas tecnologias ao infinito. Se for fruto de um distúrbio neurológico, porque não poderia ser uma mutação seletivamente enobrecedora? Para os darwinistas vale apenas aquelas que geram melhor capacidade de procriação. Todavia, veja que o pobre de Assis se procria ainda depois de morto e para além de nossos conhecimentos. 

***

Eu impedi aquelas moças de continuar a ajuda. Vim me tocar depois o quanto aquela experiência poderia ser mais rica do que a discussão de casos que empreendia com todos. Sem me tocar me vi subjugado à velha forma de lidar com as pessoas pela medicina oficial: o diagnóstico que ilumina condutas. Menosprezei o quanto o acolhimento, mesmo com conhecimentos parcos de qualquer ciência, é uma ferramenta acessível para todas as almas, sem necessidade de qualquer iniciação. 

Muito bem, meninas!

quarta-feira, 4 de março de 2015

Uma velha médica segredou-me

Ela lida com pacientes acamados há anos na rede privada. Falava, então, sobre suas primeiras experiências nestas visitas, recém-saída de míseros dois anos de trabalho na assistências pública.

A tensão era à flor da pele. Foram-lhe entregues prontuários para o estudo insuficiente das história no dia anterior. Algumas demandas eram-lhe cobradas mesmo sem ter visto os pacientes, como interpretar exames e dar uma resposta em tempo hábil. 

Oito anos de medicina deveria lhe dar alguma coragem, por que tanto medo? Não era das pessoas que sabiam fingir. A vontade de permanecer calada quando a ignorância se lhe avizinhava era uma constante. Mas, os pacientes lhe clamavam soluções. 

Eram idosos cujas doenças já haviam lhes maltratado demais.

- Saímos da faculdade com a ciência de que cada doença tem uma conduta salvadora. É o gabarito que nos dão a todo final de semestre e que não encontramos tão fácil por aí. As evidências que uma pesquisa ou outra pretende dar, como valem pouco perto do sujeito singular!

Ela viu o advento das principais tecnologias que, implantadas ou acopladas aos pacientes, permitiam mais alguns anos de vida. O que não impediu o preenchimento de tantos atestados de óbito, cujo fluxo apenas aumentou com o tempo. Porque era incompetente? Não. Porque aumentaram o número de clientes. Nenhuma  daquelas novidades venceu a principal inimiga das gentes. 

Hoje, essa senhora, cabelos grisalhos, símbolo religioso pendente do pescoço, fala do fundo de uma depressão. Pergunta-me, dobrando um origami em uma folha de receituário, se o meu gosto pela psiquiatria não daria alguma luz sobre as associações de remédios a que se aferra. Dou alguns palpites, conversa de bar, digo, de mesa de prescrição. 

Foi daí que tirei este pensamento: "Buda encontrou, pela primeira vez na vida, um raquítico, um velho e um doente e criou toda uma filosofia para enfrentar a dor dessas miragens. Nós médicos vemos esses espectros todos os dias e levamos (fingimos? necessitamos levar?) a vida como se isso não nos espantasse (não mais?)."