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quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Trabalho, morte e sexo na medicina

Ao quarto semestre da faculdade de medicina, nesta faculdade em que agora estou, falamos sobre saúde do trabalhador, abordagem da pessoa em vulnerabilidade extrema (portando neoplasia) e enfrentamento das infecções sexualmente transmissíveis.

Meu esforço como professor desse módulo, entre outros, é entender como estes assuntos dialogam entre si. Não tive contato ainda com os fundadores desta parte do currículo para saber o que tinham em mente. O mistério, de outro modo, me agrada. 

A primeira ideia que tive para estabelecer a unidade do conhecimento na unidade da consciência foi enxergar que esses temas são os que nos arremessam diretamente nas potências da nossa personalidade adulta. Até então estávamos, nós adolescentes antes da faculdade, buscando o amor dos pais e dos amigos, ou ainda buscando se autoafirmar nos grupos de convivência. Agora iremos nos deparar com o círculo do dever (trabalho), do enfrentamento do medo da morte (neoplasia)* e da busca de exercer a consecução de nossos desejos com uma atitude sã, precavendo-se dos arroubos cegos de nossa libido. 

No último encontro quis enxergar essa unidade também na forma como lidamos com esses assuntos na medicina. São lugares em que o exercício do cuidado sobre a saúde humana deve acontecer, de preferência, com um olhar sobre a comunidade, os riscos a que ela está exposta, a prevenção dos agravos que tendem a acontecer. 

Quem é esta comunidade? Semestres passados entramos na comunidade lato sensu, aquela que residia do lado da unidade de saúde. Neste semestre, temos algumas comunidades quase específicas:

1. Aqueles que já podem investir na vida com sua força de trabalho;
2. Aqueles que já podem investir na vida com o exercício de sua sexualidade;
3. Aqueles que estão sujeitos aos riscos de degeneração celular que a vida trás para todos, independente se estão preparados para trabalhar ou fazer sexo.  

Eu disse "quase específico", porque os dois primeiros tópicos abrangem muita gente, e o último arrasta a todos.

A parte chata da medicina para mim, e acho que para os alunos também, é ter que enxergar a vida dessas comunidades através de protocolos, questionários semi-estruturados, normas, abordagens sindrômicas. A parte boa da medicina é ter contato com essas comunidades. Nossa vida se abre, a consciência se amplia, a casa de onde viemos fica tão pequena, o mundo nos acena. 

Desejo olhos de ver e mãos de tocar para todos estes que se iniciam no vasto quarto semestre desta faculdade. Haverá espaço na alma para tantos cenários de vida e dor? Há, quando não é pequena.  



* Coloquei morte no título parecendo dizer que a neoplasia leva a isso, mas não. Há neoplasias que o rastreamento salva, veremos. Contudo, qualquer um que esteja sujeito ao diagnóstico de neoplasia enfrenta a angústia da vulnerabilidade, a consciência da própria mortalidade de forma mais crua. Claro que isso ocorre com qualquer doença que force uma incapacitação, ainda que temporária. Mas, a história das pessoas vítimas do diagnóstico de neoplasia tendem a sofrer mais, eu que o diga, mesmo sendo o papilífero da tireóide, dizem os amigos e a literatura médica, um bobo. A mutilação cirúrgica, a iodoterapia, o afastamento forçado das minhas crianças, a sabedoria. No fundo, sempre há uma morte, a de quem você era, e uma ressurreição, quando o espírito vence. A vida renasce com outras luzes, mais intensas, a cada batalha vencida.   

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