Anotações do Sertão

As pessoas semeiam suas casas nas pedras. Elas brotam, crescem e deixam aflorar antenas. O homem, humilde ser perdido na calvície do loiro ressequido da caatinga, tem três polos: os pés com que se finca, o coração magnetizado pela tv, o alto da cabeça, que se curva na missa domingueira, repensando sua significação para o céu. Pés, coração e cabeça. Casa, Tv e Igreja.

O tempo é lerdo. O sol faz derreter qualquer relógio nas veias. O calor nos aquieta. O pêndulo do tempo se confunde com as cadeiras de balanço. Calmos, assistimos aos vizinhos passando nas ruas. Quase sabemos o nome de todos. Mais fácil saber os dos pais e avós. A árvore, então, tem mais importância que os frutos. 

A política tem mais corpo. O corpo da política tem mais carne. Ao contrário das técnicas de dominação das altas esferas, cheias de manobras sutis de massas,  aqui no local, ainda se limita à retórica dos trejeitos. A verdade ainda é menos querida do que a promessa. A promessa vai se desgastando se não tiver resultados. Porém, se alguém sobe ao púlpito da rádio e vomita números, a maquiagem da verdade dá força à promessa e vida longa ao candidato. 

Uma agricultora talvez tenha fraturado o pé e vem com dor de longa data. A história dela passa pela descrição do seu trabalho, que muda conforme a estação do ano. É a época da broca, da coivara, do plantio, da colheita. Os filhos na faculdade é como se tivessem adquirido a liberdade dessa vida. Ela está feliz por eles, mas dói no pé o peso do trabalho solitário. 

O ônibus me traz. Vagas luzes vão ficando para trás dispersas na vasta escuridão, esta sim, imóvel. Construções humanas surgem adormecidas, aqui e acolá, na penumbra. Fantasmas de serrotes traçam o horizonte. O som da aceleração rasga o silêncio por onde passa. Um mar de lâmpadas duras no chão, de repente, se mostra. É a cidade que ofusca, a partir de então, toda a calma que se foi. Em breve, nos açoitará a Fortaleza desperta. Um filho com febre me espera em casa. Sua mãe tem de trabalhar.