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sábado, 24 de março de 2018

Lidando com a vulnerabilidade

"Tel qu’en lui-même enfin l’éternité le change." 
(Mallarmé à Edgar Poe)

Neste pouco tempo em que estivemos conhecendo um grande centro de tratamento de pessoas portadoras de câncer, algumas cenas me chamaram a atenção. 

Primeiro, a presença de símbolos sagrados pelos lugares: a santíssima mãe da tradição católica em vários pontos, particularmente uma grande no centro do prédio, um quadro da santa seia no lugar onde se consomem as refeições junto ao abrigo filantrópico. Segundo, um culto religioso em alto e bom som no quarto andar do hospital. Terceiro, a discussão exegética entre dois rapazotes acerca da verdade da Palavra. 

Uma acadêmica traz uma história de sofrimento de certa idosa, e no meio fala que "porque ela tem fé, parece não temer a doença".  Outra traz novo relato em que o paciente refere ter entendido ser aquele agravo um castigo divino, por isso retornará para a igreja, da qual estava afastado, no lugar de cujas reuniões antes ia beber e se divertir com amigos mundanos.

Uma concepção antiga de psicologia, mas ainda vigente no imaginário de muitos psicólogos é que a religião é um enfrentamento inefetivo dos problemas, um retrocesso infantil em busca de colo na figura simbólica dos pais. Tolice!

Alguns comportamentos no âmbito religioso são menos efetivos que outros no caminho necessário do ser humano para a transcendência. Mas, a busca pela transcendência é o destino humano. Mesmo Sartre ou Marx não escaparam dessa nota. Sartre com seu homem devir. Marx com o devir de uma comunidade, enfim, justa, segundo os moldes apriorísticos que defendeu.

O ser humano, desde que nasce, é este projétil apontado para o infinito. A morte, para alguns, fecha o ciclo, para outros, inaugura-nos na eternidade. De todo modo, ela encerra o que melhor pudera ter acontecido na aventura de viver de alguém. 

É imperioso que saiamos dos condicionamentos biológicos que nos prendem às necessidades mais básicas - ditas baixas - em busca das altas possibilidades do espírito: o intelecto, a arte, a política, a religião. Claro que em todo lugar encontraremos análogos simbólicos das estruturas que foram o berço da nossa concepção de mundo. Dessa forma, sempre haverá um pai ou uma mãe que nos acolhe e nos impulsiona nos diferentes setores da vida que vamos galgando. A diferença é que, se formos bem sucedidos nessa caminhada, cada conquista nos eleva, nos torna maiores, ampliados, e senhores de nós mesmos em certo campo, nascendo para outros. O fim de tudo isso é o cosmos, diziam os gregos, é Deus, para os cristãos. Isto é, metas inatingíveis que nem por isso devamos nos eximir de as mirar.

Participar de cultos, espalhar imagens que remetam a arquétipos memoráveis, submeter-se a ritos, ler e discutir palavras de sabedoria que acumulam mais vida e voz do que nossas mirradas existências sonharão em ter não é infantilização, mas exercício de preparação para adequar-me ao eterno, sem que ele, antes do último suspiro, me esmague sem consolo. 

- "Nele mesmo, enfim, a eternidade o transforma."

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