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quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Querendo sair da faculdade logo ao primeiro dia

A moça chegou para mim com um desejo nos olhos, assim interpretei. Queria que eu abençoasse sua vontade de não permanecer na medicina.

Falou-me de ser muito boa em matemática e não gostar de biologia. Lembrei de um grande amigo que quis me convencer a permanecer na faculdade porque fora dela eu poderia ser isso ou aquilo, mas não médico. Dentro dela eu seria médico e depois poderia ser isso ou aquilo. Na verdade o argumento é fraco, reconheço. Ele não me convenceu pelo argumento, mas porque foi uma pessoa que esteve ao meu lado me incentivando todo tempo, ele e sua esposa, amigos adoráveis.

Jean-Paul Sartre achava que o indivíduo constrói sua história e que quando, por exemplo, ele vai perguntar o que fazer a alguém, já vai tendencioso para aquele que acha que vai endossar a escolha que esconde. Se isso não for uma lei universal, pelo menos parecia ser a verdade daquela moça.

O que alguém quer me falar quando diz que não gosta de biologia, mas ama matemática ao primeiro dia de aula de medicina, com lágrima nos olhos, que a mãe aconselhou que terminasse pelo menos o primeiro semestre, mas que achava que não adiantaria de muita coisa, etc?

Ela veio para mim porque sou quase da idade dela, tenho barba desgrenhada, não uso jaleco, não tenho expressão professoral. Creio que eu era o padre perfeito para a perdoar. E talvez fosse. Não porque acho que ela não deva ficar na medicina, mas porque acho que isso não é o que importa. Apanhei à faculdade demais para reconhecer isso. A grandeza desta vida é a formação da personalidade, o diamante que restará ao final do embate diário com as pressões sociais e os anseios que a alma traz.

A gente começa se conhecendo. O corpo parece uma coisa indomável sob o domínio do bebê, depois nos apoderamos dele como instrumento. Encontramos o nosso lugar em nós mesmos, depois entre os nossos, para então sermos arremessados para os estranhos. Querem que contribuamos com o projeto humano. Esse é o momento da escolha da profissão. Há lugar ao sol para toda ocupação, e todas elas geram vida.

Estou falando a partir de uma trajetória que flutuava muito na decisão de ser médico, cercado por fortes pressões familiares. Acabou que deu certo. Há quem não terá o mesmo êxito se quiser seguir o mesmo caminho. É que guardava em mim um diálogo mal feito com papai que precisava ser resolvido. Conto isso em outro lugar. Quando resolvi, passei a ser o médico que realmente queria ser, e, coisa risível, que meu pai também queria. Só que ele não viveu até me ver assim. Morreu um ano e meio antes de me formar. Fundi, enfim, minha vontade à dele, sem arrependimento, com carinho. Enterrei ele em mim, morreu junto o filho, floresceu o homem


O ápice da formação da personalidade é se reconhcer parte de uma história infinita, nadando numa correnteza muito especial, e - momento de êxtase - ver o sentido de tudo isso nos planos de Deus, ou no que quer que valha como ordem transcendente ali logo ao final. Há quem não chegue aí. Um dia pretendo chegar. Espero que essa moça consiga também fazer desaguar o sangue dela onde o coração puder pulsar com mais vigor. Independente da profissão, o movimento é o mesmo.

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