Fui homenageado por oito alunos em um evento coletivo da faculdade. Não havia espaço, mas havia uma brecha para ela acontecer. Foi algo improvisado no roteiro da cerimônia. A mestre de cerimônia não estava sabendo. Mas, não discordou. Ninguém se impôs ativamente. O público anuiu com aplausos e risos.
Deram-me um oscar de brinquedo por ser "O melhor tutor", só que não houve votação do efetivo de alunos do semestre, se não apenas a concordância unânime dos oitos alunos a que venho me dedicando nestes últimos três meses. Fui, portanto, o melhor tutor deles, destes oito alunos. Detalhe que nunca tiveram outro tutor. Fui, pois, o melhor e único tutor. Isso não diminui o valor da homenagem. Poderia ter sido o único e o nada, ou apenas mais um professor na vida deles. O que me fez ser elevado a alguma categoria especial?
Alguns motivos me vem em mente. Poderia ser pela inteligência, e a partilha ativa, em momentos muito particulares, dos conhecimentos gerais sobre humanidades médicas que venho amealhando nesta década de prática. Eu daria, de zero a dez, um valor cinco para este motivo. Os motivos de valores mais altos, acredito, residem na virtude que anima estas duas cenas:
[PRIMEIRA CENA] No meio de um feedback, a aluna me coloca contra a parede questionando minha expertise de tutor. Ela expõe alguns segundos de razões que provocam certa aflição ao coração, mas o peito aberto, a face acolhedora, o espírito não derrotado. Digo derrotado, uma terminologia de briga, mas o duelo que há tempos me proponho não é contra alunos ou outras pessoas que não eu. Ciente desta inerente falibilidade, acolho as críticas como tijolos da construção de mim. Onde elas podem se adaptar (no sentido piagetiano) no edifícil que já construí? A atitude de abertura ao novo que demonstrei despertou respeito no grupo. Virtude democrática? Em tempos de guerra, a fortaleza e a coragem seriam as virtudes que fariam sombra benfazeja no exército liderado. Em tempos de aprendizado, a abertura ao novo.
[SEGUNDA CENA] O aluno não estava em um dia bom. As emoções estavam a flor da pele, talvez. Chamo a atenção dele por coisa boba, e de forma um tanto enérgica (ríspida?). Apenas que cuidasse para não tropeçar no fio do retroprojetor pois estava frouxo. Ele deixa escapar um palavrão contra mim. Todos os ouvidos ouvem. Senso comum que aquela reação não poderia passar incólume. Punição? Não. Diálogo!
- [Com serenidade] Desenvolva o sentido de [palavrão]?
- Não, mah! Deixe pra lá!
- Sério, sem problema. Deve haver algo por trás desta sua manifestação. Importa que eu saiba para crescermos.
No dia anterior havia assistido uma palestra sobre a cultura hebraica de povos peregrinos no deserto. A expositora dizia que para um povo peregrino, a bagagem mais pesada era a mágoa. Então, ao final do dia, sob a primeira sombra, quem estivesse com questões mal resolvidas, era a hora de resolvê-las, e em frente de toda a comunidade. O dia não poderia raiar sem a concórdia. Contei este detalhe cultural para eles e completei:
- Então, estamos em peregrinação. E teremos ainda muitos sóis pela frente. Preciso que não carreguemos essa mágoa.
- Não, mah! Foi mal! Eu gosto de você, sério. É que acho que você me persegue.
Perguntei aos demais se sentiam o mesmo. Discordaram. Debatemos um pouco as relações do grupo. Acalmamos o ânimo. Prosseguimos a caminhada.
Desde, então, em vez de momentos de tensão, há um clima de amizade que reina no lugar. Poderia dar um oscar para eles de "melhor turma de grupo tutorial". Também obedeceria todas as singularidades que descrevi sobre minha homenagem. É a minha primeira e única turma, o que não diminuiria a predileção. Não são assim as amizades? Podemos ter tantos melhores amigos quanto quisermos. Não é uma competição. É a vivência de uma relação singular. É, na verdade, a melhor relação que estamos conseguindo construir. Eis o significado desse "melhor". Alguns professores mantém-se em guarda contra os alunos, pois podem nos dar rasteiras. Os amigos, também, os grandes amores ainda mais. Não é motivo para não tê-los, e ainda menos, não celebrá-los.
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