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domingo, 10 de julho de 2016

Você deixa uma parte de si no plantão

Toda vez que chego de um plantão sinto a necessidade de comentar cada passo que foi marcante com a esposa. As horas despendidas de madrugada consultando pessoas ou cuidando à beira do leito das mais graves não retornam para o seu corpo, ficam lá. Este texto quer falar sobre essa nossa gradativa desintegração. 

Desde que me especializei em medicina de família, a inteligência não se dedicou aos postos de saúde ou a qualquer comunidade, mas às emergências vigilantes. Já fiquei tendo de atender, sozinho, às demandas que chegavam ao grande hospital geral, às que vinham trazidas pelas enfermeiras que se debruçavam sobre os pacientes (mal) instalados nos corredores, e às que desciam do primeiro andar onde ficavam alguns idosos e pacientes de longo período de internação. Ainda a esta época, dormia bem. Admirava-me da capacidade de deitar uma hora e me sentir restabelecido para o novo dia. 

Já se vão quatro anos desafiando a capacidade de reparação da mente. Eis que por agora ela cambaleia. No último ano tive alguns pesadelos. Menos do que deveria. O material de horror do que faço teria a capacidade de fabricar bem mais. Quase nunca sonho, e os poucos, me vem desperdiçados assim. Mas, talvez não seja desperdício. É o corpo querendo eliminar os tóxicos. 

Como disse, fico alguns dias digerindo o que vivi. As cenas mais marcantes querem ser faladas ou escritas. São rituais de exorcismo que me dou o direito de fazer em mim. 

De todos esses sonos rasos, o fato em comum é que eles não voltam. Não adianta espojar-se na cama, afundar-se, submergir no tártaro que for. Dividir a madrugada com as doenças arrancam uma parte de ti. Fumam uma parte da tua vida. 

Essa parte serviria para alguém? Fazemos, então, transplantes de fluido vital a cada vez? E quando morrem, sublimam o que deixamos ou levam ao caixão consigo? 

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