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sábado, 17 de outubro de 2015

Palestra sobre Homeopatia dado em Encontro Regional de Médicos

Fui convidado a dar uma palestra sobre homeopatia no Outubro Médico, encontro anual entre os pares do Ceará. O tema que me foi proposto era Homeopatia: uma medicina centrada na pessoa. Como não sou homeopata ainda, abordei na perspectiva do médico de família e do aprendiz de homeopatia. 

Quando, atualmente, os médicos nos entregam essa temática, tem-se em mente pelo menos duas coisas: 1. que a medicina, de alguma forma, por alguma corrupção estranha e histórica, deixou de ser centrada no sujeito/pessoa (para ser centrada em que, pelo amor de Deus?!) 2. que ser centrada no sujeito/pessoa é uma virtude que tem de ser resgatada, e é uma beleza que enobrece aquele que o faz. 

Todavia, quando me entregaram essa temática, me veio logo em mente as discussões mais atuais e fervilhantes que aconteceram nas ciências humanas sobre essa categoria que amamos tanto desde Descartes: o sujeito. Decidi, então, falar sobre a história do que vem sendo esse sujeito. 

Antes mesmo de Descartes, nos conta, por exemplo, Lucien Jerphagnon, esse amor pelo sujeito surge com a doutrina cristã, cujo Deus revelado, ao contrário de outras sociedades teocráticas, tinha um amor especial por cada indivíduo singular em busca de ativamente construir um processo salvador para sua história que, por exemplo, finda em uma escatologia onde salvar-se ou perder-se para sempre é o nó górdio. É dessa história, um dos pilares de nossa civilização, que descende nossa concepção de individualidade, respeito pelo outro, dignidade do outro, bem como todas as nossas esperanças de um final feliz, de um projeto de cura possível. 

Descartes inaugura um pensamento que coloca o sujeito como categoria cognoscente principal, a partir da qual, e apenas a partir dela, se pode pensar o resto do universo. Politicamente isso significa que está em nossas mãos, e apenas em nossas mãos, não mais em qualquer ordem natural pré-estabelecidade, conduzir o nosso projeto de salvação, em busca da verdade (ciência), em busca da justiça (política), em busca da felicidade (religião). Tanto ele quanto o inglês Bacon, em comum acordo, acreditavam que esse sujeito dotado, a partir de então, de todo poder e credibilidade poderia se tornar "como mestre e senhor da natureza". A natureza já não era entendida aqui como uma aliada, mas como uma inimiga. Vide aqui o debate que ocasionou nas almas o terremoto que devastou a cidade de Lisboa em 1755. 

Assim, Descartes contribui com uma concepção de um sujeito que temos como onipotente, dotado de uma razão que pode dominar o mundo e, enfim, portador de uma chama que pode nos conduzir para a própria salvação. O movimento iluminista vai encarnar em larga escala esse otimismo. 

A história nos devolve ao devido lugar. O sujeito que surgiu no começo do século XVIII como esperança de emancipação do homem de seus males naturais se volta contra o próprio sujeito provocando as maiores chacinas conhecidas até então com as Guerras Mundiais. E partiu mesmo de países como Alemanha que eram tidos como centros culturais do mundo. A iluminação intelectual, portanto, não nos conduziu para um fim salvador, mas para uma  catástrofe. 

A crítica que se levanta contra o "mundo da técnica", mostra um sujeito que abandona seu projeto primeiro de devolver a paz e a felicidade para a humanidade e se perde no trabalho de ser um funcionário de um projeto que ele não mais entende os fins últimos, que o objetivo final lhe escapa e, até mesmo, não lhe importa. Deixa-se de ir em busca do novo para o bem, e cai-se na busca do novo pelo novo. As tecnologias guiam o homem para apenas inovar e competir. 

O que a medicina tem a ver com isso? Ela, sendo atividade humana, segue, infelizmente, esse mesmo clima. Quando a revolução científica despontou no nascimento da idade moderna, nosso renascimento filosófico, uma onda de otimismo visando ao bem comum do homem se nos tomou. Com o tempo, esse objetivo último foi se esvaindo e caímos em uma medicina que não mais tem o projeto nobre da saúde como um fim último e sempre revisitado, mas que se encanta pelas inovações tecnológicas, as descobertas infindas de laboratório, a produção em massa de artigos científicos, ainda que de péssima qualidade, a prioridade da técnica sobre o sujeito. O tempo das consultas diminuem, a relação médico-paciente se esvazia. 

Então, quando falamos de uma medicina centrada no sujeito, falamos de um retorno a um tempo bom?

Acredito que não. Estamos vivendo a busca de uma nova forma de enxergar o sujeito e suas relações. O grande erro de Descartes, perfeitamente perdoável pelo contexto político da época, foi ter colocado no sujeito o poder de senhorear tudo. Foi necessário descobrirmos o quanto isso imitava o conto do aprendiz de feiticeiro, portando uma varinha com poderes mágicos ilimitados, provocando um desastre em todo o campo de treinamento. 

Hoje, estamos indo em busca de medicinas - falo no viés da medicina, claro - que entendam o sujeito-médico como um ser insuficiente, portanto, necessitado de todos os demais profissionais que o complementem. Surge assim a categoria do trabalho interdisciplinar. Um sujeito cuja razão não pode ser a medida de todas as coisas, sob pena de se tornar totalizadora, totalizante, redutora, e que, assim, aceita e estimula a participação do sujeito-paciente no seu processo de cura. O processo do cuidado em saúde deixa de ser uma prescrição e passa a ser um acordo de pares. Por fim, um sujeito que não mais enxergue a natureza como sendo uma inimiga, mas uma aliada. E aqui é onde a homeopatia entra com toda a força. Os medicamentos homeopáticos são, por natureza, um apertar amigável de mãos com a natureza curadora do próprio indivíduo. Eles não buscam apagar o fogo, conter a todo custo as placas tectônicas que provocariam o terremoto, mas conduzir o fogo ou o terremoto para uma comoção que promova a recuperação do doente. Os movimentos naturais da doença não são inimigos per si, são movimentos de cura que precisam ser bem apascentados. 

É assim que eu lanço uma outra categoria nessa palestra que dei: a medicina do pastoreio. O pastor de animais geralmente tem uma inteligência que sabe dialogar com a natureza, sabe dos perigos de alguns caminhos, a facilidade de outros, onde há a fonte de beber, onde há as lamas que poderiam prender suas ovelhas. Sabe mesmo quando é dia de sol ou de chuva. Não busca o lucro de uma produção infinita e cega, mas a boa condução que os fará - a ele, a sua família e ao seu gado - se alimentar bem para voltar a salvo para casa ao final do dia. 

Tentei começar, enfim, uma discussão sobre a necessidade de reelaborarmos esse tal de "sujeito" para um que não nos conduza de novo para o abismo. 

A palestra encontra-se temporariamente acessível aqui para ouvir ou para download:

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