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quarta-feira, 6 de maio de 2015

Eu velho ser

É o primeiro passo: querer ser velho. Não queremos, a maioria de nós na maior parte das vezes. Porque somos jovens... por ora. Mas, quando a nossa hora tardar na vida, o que seremos? Nossa cultura pede para sermos jovens, apesar de velhos. É sempre uma fuga e um deslocamento de si, uma dissociação. Não se admira que fiquemos dementes. 

Quando ouvi pela primeira vez do professor de geriatria que o tempo que minha geração estava sendo "programada" para sobreviver após os sessenta excedia os anos que até então eu tinha, não consegui pensar em outra coisa o resto da aula. Porque já tinha vivido demais até ali: sustentado a cabeça, abandonado os reflexos primitivos, engatinhado, andado, pulado, escalado. Já tinha tido três paqueras platônicas e três grandes amores, com quase tudo que eles tinham direito. Havia enfrentado a vergonha de se expor aos coleguinhas em trabalhos de apresentação oral e ao grande público em pelo menos cinco grandes peças de teatro. Aprendi a escrever e escrevi muito entre poesias, contos e peças. Adoeci de forma grave duas vezes, e ganhei uma hérnia de disco. Aprendi a nadar, enfrentar o mar e fui campeão de alguns jogos olímpicos juvenis. Havia feito algumas loucuras inocentes, mas perigosas, como atravessar metade da minha cidade correndo, apenas para sentir o gosto da liberdade do primeiro dia de férias de algum ano qualquer. Ajudei pessoas, evangelizei crianças, organizei eventos...

Tudo isso em 20 anos de vida - a idade que eu tinha quando assisti àquela aula. Estão me programando, dizia o professor, para viver até os 80 anos. Mas, se a partir dos 60 eu estiver na falta do que fui, estarão me programando para apenas sobreviver até os 80. 

Realmente, agora, não tenho ciência do que pode ser conselhos para curtir a velhice, mas posso imaginar que há algo bem errado no que costumeiramente pensamos. De fato, a idade traz consigo as doenças, prenúncios de nossa mortalidade. Mas, se vivermos a vida pensando no que nós perdemos, isso já é estar morto na nostalgia. O que ser velho teria de bom? Claro que a experiência! Não é um imbecil, é um prudente. Todavia, sem olhar os jovens com inveja ou menosprezo. Saber que a vida tem seus ciclos e que o da velhice convida a ouvir mais tudo o que vamos deixando de ser. Ouvir o que vamos deixando de ser não é ouvir o passado, mas todo o presente que é encoberto pela nossa volúpia de vida dos tempos de adolescente, quando queremos ser o sol. É saber estar no hemisfério da lua e, portanto, enxergar a miríade de estrelas que o sol tornava invisível. É o tempo de escrever memórias, não como quem resgata o passado exatamente como ele é, mas como quem reescreve a vida dando a sua cota de identidade para que ela seja um pouco mais a sua cara. Outras prioridades são elencadas, é o que nos diz (neste artigo aqui) o famoso neurologista Oliver Sacks no auge de seus 81 anos e metade do fígado consumido por metástases:


"Repentinamente me sinto possuidor de um foco muito claro, e de perspectiva. Não há mais tempo para nada que não seja essencial. Preciso focar em mim mesmo, no meu trabalho e nos meus amigos. Não vou mais assistir o jornal na TV todas as noites. Não vou mais prestar atenção para política ou para argumentos sobre aquecimento global. Não se trata de indiferença, mas de desapego – ainda me importo muito com o Oriente Médio, com o aquecimento global, com o crescimento da desigualdade, mas estas coisas não estão mais na minha alçada; pertencem ao futuro. Regozijo-me ao encontrar jovens capazes – até mesmo aqueles que fizeram minhas biópsias e diagnosticaram minhas metástases. Sinto que o futuro está em boas mãos. (...) Não posso fingir que não tenho medo. Mas meu sentimento predominante é a gratidão. Amei e fui amado; ofereci muito, e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Comuniquei-me com o mundo com a comunicação especial dos escritores e leitores."

Então, é o momento que os assuntos da espiritualidade estão mais presentes, porque o espírito está mais à flor da pele, já que ela está tão fininha. Deixo com vocês uma das minhas poesias preferidas em homenagem ao ser velho do nosso poeta Olavo Bilac, Velhas Árvores:


Olha estas velhas árvores, mais belas 
Do que as árvores novas, mais amigas: 
Tanto mais belas quanto mais antigas, 
Vencedoras da idade e das procelas... 

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas 
Vivem, livres de fomes e fadigas; 
E em seus galhos abrigam-se as cantigas 
E os amores das aves tagarelas. 

Não choremos, amigo, a mocidade! 
Envelheçamos rindo! envelheçamos 
Como as árvores fortes envelhecem: 

Na glória da alegria e da bondade, 
Agasalhando os pássaros nos ramos, 
Dando sombra e consolo aos que padecem!


Envelheçamos!

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