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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Fui horrível

Disse o estudante fazendo o próprio julgamento sobre sua entrevista com o paciente. Baixou a cabeça, meneou-a negativamente e quando a levantou, bizarro, era minha face em seu rosto. A mesma altura, biotipo, mas imberbe, como eu era à época em que ele agora está.

Sim, eu era horrível. A escrita no prontuário como esconderijo para a ignorância, as perguntas que facilmente se esgotavam sobre a doença que o paciente ali me trazia, os colegas que rapidamente socorriam meu silêncio, e o professor, socorrendo a inabilidade do exame físico.

Por muito tempo havia um sentimento de que era inoportuno para aquelas pessoas que buscavam uma resposta médica, mas que tinham de passar por mim, neófito. Valia-me de alguns assuntos paralelos que me permitiam escapar do assunto que desconhecia. Raros aderiam ao diálogo alternativo. Esperavam (esperávamos) ansiosos o retorno do professor.

E, por muito tempo, em vez de me focar nas explicações que o preceptor dava, tomando aquelas dores como ilustração, pegava-me agradecendo a Deus por aquele sufoco ter acabado, rememorando a vergonha e me questionando o que poderia ter feito melhor.

Isso foi minorando até o internato, quando a quantidade de pacientes do posto de saúde e de conhecimentos internalizados nos quatro anos antecedentes me permitiram um pouco mais de desenvoltura e conversa contextualizada. Foi cada vez mais sumindo quando tive pacientes sob minha responsabilidade diária em um internamento hospitalar, acompanhando desde a internação de uns até a morte de outros, o convencimento de fazer o exame, a gentileza (obrigação informal) de acompanhá-lo, o acaso de ser, no fim das contas, a única pessoa que esteve com ele da admissão à alta, e vê-lo chorar, sorrir, reclamar do sistema. Ouvir.


Depois que me formei e aprendi em três meses de profissão o que seis anos de faculdade não havia tido êxito de me fazer sedimentar no espírito, motivado, então, pelas dores que os pacientes me traziam como sendo o quase único responsável médico no serviço em que estava para saná-las, aprendi a ouvir ainda mais, perguntar o essencial, me valer da ciência dos livros com mais proficiência.

Hoje temos smartphones que nos socorrem nas dúvidas clínicas do cotidiano. Lá, me munia de um palmtop, antigo companheiro, e um grosso livro de atenção primária surrado pelo uso. O que nunca falhou para uma ótima anamnese, para além da técnica, foi o interesse pela história do paciente. Não importa o quão cansado eu estivesse, sempre era recebido com profunda gratidão o esforço de me manter atento para, de alguma forma, entender como a ciência que pesava sobre os meus ombros (que peso!) poderia ajudar o sofrimento que se curvava sobre aquelas mesas de atendimento. 

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