Venho me dedicando a organizar atividades teóricas para quase concludentes de medicina nas horas finais de uma semana em que todos estão cansados de tanta atividade, de uns seis anos em que todos estão cansados de tanto enclinar-se sobre livros.
A mente aguda e exausta (tensa?) de um aluno criticou esse esforço. Apontou a improdutividade destas horas e chegou mesmo a ter piedade das futuras gerações de internos que iriam ter de se submeter à mesma esteira de transferência de conhecimento.
Entendo que essa acidez teve um motivo da acontecer, vários até. Difícil ouvir falas nesse tom e não se abalar. Ontem, era eu que estava nesse papel. Uma fala crítica escapolia das minhas vísceras com rancor sobre o corpo doscente, poucos se salvavam. Estar do lado de lá me faz enxergar as próprias rugas e os cabelos brancos das minhas antigas razões.
Acolhi a crítica tentando ser a ostra que projeta uma pérola para o futuro com a dor de um corpo estranho em sua víscera desnuda. Sempre poderíamos falar melhor sobre como pode ser a melhora dos outros, mas mesmo a fala indignada é uma forma legítima de expressão, escondendo verdades que talvez não fizessem o mesmo efeito se fossem ditas com luvas e maquiagem.
O erro estrutural da crítica, contudo, foi que ela desprezou que se trata de um processo. Todo ser humano livre, e consciente de sua liberdade, é perfectível, e vive em se tornar outro mais apto que seu corpo anterior. As peles vão ficando para trás, seus projetos antigos, suas folhas amassadas, e um ser vai tomando forma, sua história, sua obra, sua conclusão. Nem todos chegam a ser livros terminados ao final da vida, mas cabe a nós não cansarmos de sobrescrevermo-nos. Palimpsestos.