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quinta-feira, 30 de abril de 2015

Envelhecer

Piedade para com a idade.

Desde o início da construção do olhar sobre a geriatria fazemos com que os estudantes se deparem com estatísticas assombrosas sobre nossos idosos. Estão analfabetos, acamados, com problemas renais, cardíacos, pulmonares, neoplásicos. Esta é a imagem que surge a nossa frente consultando a base de dados do governo.

Pouco tempo depois vamos ao posto de saúde saber como é o desenho da família destes homens e destas mulheres que vêm a nós. Estão cuidando dos filhos de seus filhos, quando não estão sozinhos em casa, na vida.

Em seguida, vamos a uma instituição de longa permanência, um lar para idosos, que já melhorou muito desde a última vez que estive por lá, mas há ainda um odor de urina no ar e a triste visão da dependência em camas. A ciência médica tenta se apropriar do sofrimento deles para minorá-lo, e a interna me diz que a cada mês são quatro ou cinco mortes.

Um dos nossos chorou ao ver tudo aquilo, enquanto eu explicava sobre porque a deficiência de dopamina provoca rigidez e movimentos involuntários. 

É isso o que temos a ensinar sobre velhice para nossos jovens? Sobre o quanto ela nos leva ao médico? Pobre médico que aprende a enxergar a velhice com olhos tão tristes. 

Isso não é uma crítica ao nosso plano de ensino. Ele é muito ativo, com atividades de campo, contato precoce com o paciente, coleta de histórias que vão além da doença. Isso é um lamento para com a medicina que nos faz ver o mundo pelas lentes da doença. Queremos, então, que o médico seja um amor de pessoa, quando só viu desgraça do começo da faculdade até o fim. 

Precisamos endurecer para sobreviver nessa profissão. Quantas lágrimas não tive que engolir para dar prioridade ao raciocínio que tinha de falar! Quando a dor nos bate a porta, espera uma resposta mais do que um ombro amigo. Mas o ombro amigo, quando as respostas vão falhando, é o que sobra dar, e o que não nos ensinam. Não faz parte do que cai nas provas de residência médica.

Ainda falarei aqui sobre a velhice. Meu objetivo é tentar mostrar mais a beleza de não mais ser jovem. Por enquanto, deixo apenas essa reflexão de denúncia.  

domingo, 5 de abril de 2015

Revolução no Ensino Médico

Acho que estamos passando por isso: uma revolução.

Saímos de um modelo de ensino em que os grandes especialistas estavam ali, a nossa frente, vomitando seus conhecimentos infinitos sobre nós. Esse modelo de ensino ainda é um do século XVI. As grandes autoridades eclesiásticas falam sozinhas em um púlpito para pobres de espírito a fim de que se iluminem.

A hiperespecialização da medicina escancarou nossa incondicional ignorância e necessidade do outro para, juntos, resolvermos os problemas que a realidade - sempre mais total que nós, estes seres lacunares - apresenta. 

Mas, nossos métodos de ensino nas escolas médicas (ao menos as cearenses) não cresceram assumindo essa necessidade do outro. Há os métodos que pedem para o aluno ser completamente ativo, sem o professor: isso é gerar outro sujeito autônomo demais para crescer na alteridade. O que estou vivendo com os alunos do internato é algo completamente novo e mais verdadeiro. 

Temos alunos espalhados por vários setores da saúde que lidam com os pacientes com queixas de atenção primária. Até mesmo no mundo rural eles estão batendo ponto. 

Uma atividade onde todos se encontram na última tarde da semana foi programada. Para que? Para que discutíssemos temas que os ajudariam nesse périplo. 

- O que está acontecendo? Discutimos temas importantes, mas descasados com as dúvidas clínicas que surgem deles. 
- O que acontece, então? A desmotivação nos corpos, as mentes dispersas, o espírito ausente. A assinatura no papel é uma tinta borrada na existência. 
- O que pensei em fazer? Inicialmente fui atrás de especialistas para compor uma lista de problemas que eles acham prudente o médico recém-formado dominar a fim de conseguir tornar a Unidade Básica de Saúde da Família resolutiva, pelo menos no que tange o médico e suas habilidades. 
- Com que me deparei? Os internos se interessaram muito, mas quando dei abertura para uma aluna falar, ela me passa uma pequena lista com temas ainda mais básicos, ainda mais cotidianos, que gostaria de ter mais intimidade. 
- O que decidi fazer? Sem abandonar a lista dos médicos que consultei, convocar voluntários da sala para uma força-tarefa que me ajude a criar uma apostila respondendo as principais dúvidas que esta geração de internos apresenta. Formar uma comunidade de aprendizado, gestando um trabalho nosso que supra as carências. 

Eu sou um médico de família e comunidade. Adoro saber de tudo um pouco, mas há sempre e cada vez mais coisas que me escapam. Como professor, estou propondo sair do pedestal e me misturar com os alunos a fim de aprendermos juntos com a atividade de responder essas dúvidas do dia-a-dia. 

Perspectivas: O documento será elaborado no formato Google Docs, compartilhado via Google Drive para edição da equipe força-tarefa e comentários dos demais alunos. Ao final ou paralelamente, vou expô-lo aos preceptores e residentes de Medicina de Família do sistema unificado de ensino da Prefeitura de Fortaleza. Tenho vontade de fazer diálogos com especialistas, gravando os mesmos em podcasts, e propor inserir essas conversas de café de fim de tarde na página da Associação Médica Cearense. Isso poderá ajudar todos os médicos recém-formados que, hoje, são quase obrigados pelo governo a passarem de um a três anos junto com as populações de risco atendidas pelo Sistema Único de Saúde. 

Acho que vai ser muito divertido. Vamos ver no que vai dar!

Alunos que cochilam na aula

Eu sou uma espécie de prova de que isso não é um problema. Nunca dormi, na vida inteira, em qualquer aula. Mas, à medicina...

Pensei que era uma questão de teorias densas demais em ambientes gélidos e sombrios, mas mesmo nas práticas de ambulatório à luz do dia, quando o professor começava seu discurso explicativo, o Espírito queria se desprender do corpo de várias formas, fosse sonhando acordado ou cochilando.

Imaginava que pudesse ser a forma como o professor falava, com monotonia, com desinteresse no assunto. Mas, hoje, falando sobre Atenção Primária aos graduandos sob minha responsabilidade, com recursos de retórica, expressão corporal e entusiasmo, ainda os vejo ali, nós, os pescadores de sonhos.

Hoje, não durmo mais ao ouvir os assuntos que me interessam. Mas, também, sinto muito presente a dor ainda insóluvel dos pacientes correndo no sangue, em parte por causa da minha ignorância. Minha parte nesse processo: educar-me como posso. Aprender!

Quando estava à faculdade não sentia a necessidade quase biológica que sinto hoje de responder a contento aos problemas de saúde que se me apresentam. 

Queria fazer um estudo sobre os alunos que dormem. Não para os expor como mau exemplo, mas a fim de entender para onde vão quando não estão conosco. 

P.S.: Estive conversando com alguns estudantes um pouco depois de ter escrito isso. Eles me deram alguns motivos: 1. horas seguidas de atividades fazem com que o momento da fala do professor possa ser um descanso quando se decide por não dar intervalos, 2. a fome, 3. a atividade matinal depois de uma noite de estudo, 4. a inércia do corpo após o final de semana. Por outro lado, alguém apontou minha prolixidade. Ora vejam só! E mais, que certos professores (nesse momento, eu provavelmente incluso) buscavam prolongar a conversa, mesmo quando se poderia ter acabado com o assunto antes do horário final da aula, a fim de manter os estudantes até o fim estipulado. Minha réplica (pacífica e compreensiva, nada de clima de guerra, aprendi a aprender muito com confrontos): Não prolongo falas para deixar alunos em cativeiro, mas para cativar alunos, a fim de que tenham algum elã pelo o que amo na medicina. De fato, isso pode deixar o discurso prolixo, tornando a extensão do assunto abordado tão vasta que foge dos objetivos. Solução primeira acordada: Momento de fala inicial mais objetiva que contemple o que é estritamente necessário para aquela atividade. Depois, momento de fala bônus com conhecimentos para além da bitola do semestre a fim de mostrar uma realidade mais vasta, ainda que seja por uma fenestra de conhecimento adicional. Sobre os outros pontos, me veio as formas de aprendizado conduzidas por Platão, eram diálogos intensos dentro de uma academia; por Aristóteles, passeava em um jardim; por Epicuro, em meio a uma alimentação frugal junto a discípulos que considerava amigos, uma amizade que considerava como uma das coisas mais importantes da vida. Pensemos nesses exemplos!