sexta-feira, 17 de julho de 2015

Introdução à Saúde Comunitária para os internos

Meio difícil capturar a atenção daqueles que estão nos dois últimos anos da faculdade de medicina a fim de fazê-los ouvir - mais uma vez! - o que seria saúde comunitária, sua história, seus princípios atuais, suas lutas, obstáculos, perspectivas, tendências. 

Parei um pouco para pensar. Havia preparado um roteiro coerente e... sacal. Olhando aqueles rostos com cara de bocejo, decido falar sobre minha caminhada. O que aconteceu após o término da faculdade, como as velas de meu barquinho viraram rumo a medicina de família e comunidade. Então, no meio das minhas experiências, vou soltando os conceitos mais caros dessa área nobre que, ainda hoje, é para pobres. 

Brinquei sobre a saúde do homem, dizendo que está longe de ser apenas uma "dedada". Mas, o cuidado de tudo na vida como um todo. Os homens são tão descuidados (consigo)! E extrapolei o conceito de homens para o de humanidade. Os homens são tão descuidados (com o nosso planeta)! Falei o quanto a reforma sanitária ainda está no papel. Discorri sobre uma história da medicina que culminou na importância de um diagnóstico preciso sobre um agente etiológico específico relacionado com uma terapêutica combativa pontual, mas fui tentando mostrar que estamos vivendo uma quebra de tantos conceitos, com a pulverização de tantas certezas, que é admirável algum médico hoje ter consciência tranqüila ao prescrever qualquer medicação. A saúde se encheu do conceitos de probabilidades, riscos, vulnerabilidade, desencantou-se das certezas de ontem. O hospital nos dá uma tranqüilidade do controle de variáveis, mas a comunidade responde com travessuras. O pior de ter que cuidar de pessoas que não estão doentes o suficiente a ponto de se entregar ao seu controle é elas não se submeterem ao nosso controle. 

Por fim, falei que estávamos, nós da saúde comunitária, percebendo que os casos complexos - há um amigo que me diz que não existe o caso não complexo, mas o negligenciado, anotemos isso e passemos adiante - podem não ser apenas uma doença rara que está escapando de nosso olhar clínico não experiente, mas uma falha do nosso modelo de raciocínio, da nossa racionalidade médica. Isso quer dizer que outras medicinas, haja vista, homeopatia, medicina antroposófica, medicina tradicional chinesa, podem conseguir visualizar a doença e, portanto, as linhas de fuga melhor do que esta que adestra nosso olhar em seis anos de faculdade. 

Acho que entenderam algo. Mas, o que mais os frusta não são aulas sacais de saúde comunitária, nem professores chatos, didáticas pífias, mas não conseguirem enxergar toda essa teoria grandiosa no bojo do cotidiano. Quando chegam lá, deparam-se com entraves organizacionais e políticos, relações médico-paciente truncadas e desgastadas. O que é preciso para acender a vontade de cuidar das massas ao ponto de enfrentar sacrifícios diuturnos? 

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Saldo do semestre 2015.1

Cheguei com ideias fervilhando. Particularmente entre os internos de medicina, peregrinos dos dois últimos anos de faculdade. Estive nos dois extremos da formação médica: os novilhos do terceiro semestre, os touros do último ano. Desafios diferentes. 

Com esse blog acho que consegui passar algum recado de um professor que quer educar emoções também, e não apenas razão. Nunca vou me esquecer dessa frase, que encontrei perdida em algum lugar, de Carl Rogers:


Talvez a mais básica dessas atitudes essenciais (para facilitar a aprendizagem) seja a realidade ou autenticidade. Quando o facilitador é uma pessoa real, sendo o que é, ingressando num relacionamento com o estudante sem apresentar-lhe uma máscara ou fachada, ele tem muito mais probabilidade de ser eficiente. Isto significa que os sentimentos que está experimentando estão disponíveis para ele, disponíveis à sua consciência, que ele é capaz de viver esses sentimentos, sê-los, é capaz de comunicá-los, se for apropriado. Significa que ele se encontra direta e pessoalmente com o estudante, encontrado-o numa base de pessoa para pessoa. Significa que está sendo ele próprio, não renegando a si.

Vim expondo aqui minhas fragilidades, ressignificando as experiências na medida em que me via refletido nos novos. Vim estudando com mais afinco a medicina para ver se ajudava aqueles que daqui a pouco estarão na linha de frente. 

Quis colocar em movimento um grande projeto, conforme meu jeito megalomaníaco de ser. Acreditando revolucionar a educação médica, queria fabricar uma apostila que falasse, de forma prática e direta, ao recém-formado que enfrentaria a realidade dura de ambulatórios de atenção primária por aí, forçados ou não pelo programa do governo presente. Essa apostila seria elaborada com ajuda de uma equipe empenhada de alunos. Queria ainda dar à luz um canal de comunicação com todos que discutisse casos de pacientes reais, os quais tenho aqui arquivados em algumas pastas, frutos de laboriosa residência em medicina de família. O que aconteceu?


  • O mestrado comeu a minha atenção, o meu ânimo, o meu ímpeto;
  • O concurso de residência próximo ao fim da faculdade comeu a vontade dos alunos de se dedicarem a esse empreendimento.

Por outro lado, fui presenteado com um convite para ser o orientador de uma Liga de Saúde e Espiritualidade. Excelente oportunidade de ligar em mim essas duas áreas que vem sendo minha profissão e minha fé para vir a ser minha profissão de fé. Por causa do projeto de palhaçoterapia que ajudei a fundar e venho seguindo o amadurecimento na faculdade que me formou, já venho tendo grandes avanços em ser um médico espirituoso. Mas, o sonho de ser um médico espírita está por se fazer. Não é um projeto proselitista, mas um que reconcilie o mundo e o espírito em mim. 

Gratidão ao semestre que finda. Coração ao que se inicia.