sexta-feira, 22 de maio de 2015

Ingressando na Homeopatia

Decidi fazer homeopatia. Um psiquiatra que estava lá - que não mais se intitula psiquiatra, mas médico, depois de ter se tornado homeopata (eis o seu blog) - disse que as pessoas costumavam entrar mais tarde nessa forma de fazer medicina, lá pelos quarenta anos em diante. É quando se cansam do outro jeito de fazer as coisas, o que olha as pessoas de forma fragmentada. 

Eu tenho trinta. Estive desencantado com a alopatia desde os dezoito. Começar estudando o corpo humano por ele morto talvez tenha sido uma das piores experiências que pode ter gerado um desgosto por tudo aquilo. Forçado a acabar a faculdade para ser diplomado médico, acabei por me acostumar com a forma de olhar as doenças como entidades independentes, atreladas a órgãos e não a pessoas e histórias de vida. 

Especializei-me em medicina de família e comunidade. Parecia ser o mais próximo de uma medicina mais inteira. Como ela se encontra ainda muito presa ao sistema público de saúde, os fluxos ainda estão muito emperrados, pelo menos aqui no Ceará que, por estes anos, vem enfrentando muitos problemas com as verbas da saúde, mais do que a média nacional, acredito. Ademais, as possibilidade de se exercer uma clínica criativa esbarram-se com a pressão pelo atendimento infindo, rápido e, portanto, de péssima qualidade. 

Apresentaram-me a homeopatia. Ouvir falar de um médium espírita que conquistou toda uma região do interior mineiro, nas cercanias de uma pequena cidade de nome Sacramento, prescrevendo receituário mediúnico com remédios homeopáticos. Sua biografia muito me cativou. Seu nome: Eurípedes Barsanulfo. Depois, tive a oportunidade de assistir à uma mesa redonda em um congresso onde deram a palavra à uma representante do Instituto Mineiro de Homeopatia. Descobri que eles tinham cursos relacionando mitologia grega e homeopatia, mas que precisava já ser especialista para participar. A especialidade era semi-presencial. Teria de ir doze vezes até lá. Estava preparado para enfrentar essa despesa, quando fico sabendo de um curso em moldes semelhantes aqui em Fortaleza. 

É este curso que irei fazer. Sei muito pouco sobre o assunto. Já vi muita gente atacando esta doutrina médica. Mas, como sempre fui mais ou menos um cara que pensa na contra-corrente, isso apenas me deixou com mais vontade de estudar a fundo toda essa novidade e, sinceramente, penso em me dedicar a ela com militância e paixão. 

Uma amiga que está fazendo pediatria e se subespecializando em alergologia disse-me que é preciso um pouco de fé para pender para a homeopatia. Cá entre nós: o que não precisa?

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Eu velho ser

É o primeiro passo: querer ser velho. Não queremos, a maioria de nós na maior parte das vezes. Porque somos jovens... por ora. Mas, quando a nossa hora tardar na vida, o que seremos? Nossa cultura pede para sermos jovens, apesar de velhos. É sempre uma fuga e um deslocamento de si, uma dissociação. Não se admira que fiquemos dementes. 

Quando ouvi pela primeira vez do professor de geriatria que o tempo que minha geração estava sendo "programada" para sobreviver após os sessenta excedia os anos que até então eu tinha, não consegui pensar em outra coisa o resto da aula. Porque já tinha vivido demais até ali: sustentado a cabeça, abandonado os reflexos primitivos, engatinhado, andado, pulado, escalado. Já tinha tido três paqueras platônicas e três grandes amores, com quase tudo que eles tinham direito. Havia enfrentado a vergonha de se expor aos coleguinhas em trabalhos de apresentação oral e ao grande público em pelo menos cinco grandes peças de teatro. Aprendi a escrever e escrevi muito entre poesias, contos e peças. Adoeci de forma grave duas vezes, e ganhei uma hérnia de disco. Aprendi a nadar, enfrentar o mar e fui campeão de alguns jogos olímpicos juvenis. Havia feito algumas loucuras inocentes, mas perigosas, como atravessar metade da minha cidade correndo, apenas para sentir o gosto da liberdade do primeiro dia de férias de algum ano qualquer. Ajudei pessoas, evangelizei crianças, organizei eventos...

Tudo isso em 20 anos de vida - a idade que eu tinha quando assisti àquela aula. Estão me programando, dizia o professor, para viver até os 80 anos. Mas, se a partir dos 60 eu estiver na falta do que fui, estarão me programando para apenas sobreviver até os 80. 

Realmente, agora, não tenho ciência do que pode ser conselhos para curtir a velhice, mas posso imaginar que há algo bem errado no que costumeiramente pensamos. De fato, a idade traz consigo as doenças, prenúncios de nossa mortalidade. Mas, se vivermos a vida pensando no que nós perdemos, isso já é estar morto na nostalgia. O que ser velho teria de bom? Claro que a experiência! Não é um imbecil, é um prudente. Todavia, sem olhar os jovens com inveja ou menosprezo. Saber que a vida tem seus ciclos e que o da velhice convida a ouvir mais tudo o que vamos deixando de ser. Ouvir o que vamos deixando de ser não é ouvir o passado, mas todo o presente que é encoberto pela nossa volúpia de vida dos tempos de adolescente, quando queremos ser o sol. É saber estar no hemisfério da lua e, portanto, enxergar a miríade de estrelas que o sol tornava invisível. É o tempo de escrever memórias, não como quem resgata o passado exatamente como ele é, mas como quem reescreve a vida dando a sua cota de identidade para que ela seja um pouco mais a sua cara. Outras prioridades são elencadas, é o que nos diz (neste artigo aqui) o famoso neurologista Oliver Sacks no auge de seus 81 anos e metade do fígado consumido por metástases:


"Repentinamente me sinto possuidor de um foco muito claro, e de perspectiva. Não há mais tempo para nada que não seja essencial. Preciso focar em mim mesmo, no meu trabalho e nos meus amigos. Não vou mais assistir o jornal na TV todas as noites. Não vou mais prestar atenção para política ou para argumentos sobre aquecimento global. Não se trata de indiferença, mas de desapego – ainda me importo muito com o Oriente Médio, com o aquecimento global, com o crescimento da desigualdade, mas estas coisas não estão mais na minha alçada; pertencem ao futuro. Regozijo-me ao encontrar jovens capazes – até mesmo aqueles que fizeram minhas biópsias e diagnosticaram minhas metástases. Sinto que o futuro está em boas mãos. (...) Não posso fingir que não tenho medo. Mas meu sentimento predominante é a gratidão. Amei e fui amado; ofereci muito, e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Comuniquei-me com o mundo com a comunicação especial dos escritores e leitores."

Então, é o momento que os assuntos da espiritualidade estão mais presentes, porque o espírito está mais à flor da pele, já que ela está tão fininha. Deixo com vocês uma das minhas poesias preferidas em homenagem ao ser velho do nosso poeta Olavo Bilac, Velhas Árvores:


Olha estas velhas árvores, mais belas 
Do que as árvores novas, mais amigas: 
Tanto mais belas quanto mais antigas, 
Vencedoras da idade e das procelas... 

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas 
Vivem, livres de fomes e fadigas; 
E em seus galhos abrigam-se as cantigas 
E os amores das aves tagarelas. 

Não choremos, amigo, a mocidade! 
Envelheçamos rindo! envelheçamos 
Como as árvores fortes envelhecem: 

Na glória da alegria e da bondade, 
Agasalhando os pássaros nos ramos, 
Dando sombra e consolo aos que padecem!


Envelheçamos!

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Envilecer

Neste texto falo dessa corruptela do envelhecer que o confunde com o envilecer, o degenerar-se. A decrepitude passa bem essa imagem. Utilizam-na como sinônimo de envelhecimento, mas fala sobre um estado de alguém quebrado e, porque quebrado, menor, pior, inútil. 

É desse sentimento que fala Montaigne:


"Odeio esse acidental arrependimento que a idade traz consigo. Quem dizia antigamente ser agradecido aos anos por o terem desfeito da volúpia, tinha uma opinião diferente da minha; eu nunca serei grato à impotência de bem que ela me causa. (...) Eu teria vergonha e inveja se a miséria e a desfortuna da minha decrepitude fossem preferidas a meus bons anos, sadios, vivos, vigorosos; e se me estimassem não pelo que fui, mas pelo que deixei de ser. (...) A velhice nos dá mais rugas no espírito do que no rosto; e não se vêem almas, ou são raríssimas, que ao envelhecer não recendam ao acre e ao embolorado. O homem caminha inteiro para o seu crescimento e decrescimento." (Os ensaios, III, 2)
Envelhecer seria se esvaziar do que a juventude era. Despede-se da volúpia, da potência, da saúde, do vigor. Não se olha a velhice pelo o que ela é, mas pela ausência que ela sinaliza. É deixar de ser jovem. Rousseau concorda com seu conterrâneo:


"Por que o homem está sujeito a se tornar imbecil? Não é absolutamente porque retorna assim a seu estado primitivo, e o animal, que nada adquiriu e nada tem a perder, permanece sempre com seu instinto, e o homem, perdendo com a velhice e outros acidentes tudo o que sua perfectibilidade lhe havia feito adquirir, torna a cair mais baixo do que o próprio animal?" (Rousseau, Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens)

Suas perguntas apontam afirmações terríveis: envelhecer é imbecilizar-se, é rebaixar-se para aquém do animal. O homem que, por causa da sua perfectibilidade, conseguiu subir tão alto, para além de toda determinação natural, ao chegar na velhice, se torna um estorvo. Rousseau menosprezava a medicina, talvez por causa disso. Dizia nunca ter visto sair pessoas das mãos do médico, mas zumbis. O que realmente deveria ser verdade mais à sua época do que agora. Muito embora ainda encontremos vidas - muito mais do que gostaríamos de encontrar - que se tornaram estorvo por causa da intervenção médica, do contrário teriam se tornado adubo. 

Esse é o lado de quem encontrou na velhice o caixão como símbolo, de quem acreditou demais nos poderes dos jovens. É a identidade da civilização dos modernos, para quem a produtividade material é tudo, para cujos futuros aposentados deve-se fazer cursos de como viver a velhice a fim de que não se deprimam. 

Não é a visão que gostaria de ter. Na próxima postagem, trago alento para estes tristes.